Por Rafael Morais
19 de junho de 2016
Baseado no best-seller “Me Before You”, o longa narra a jornada de Will Traynor
(Sam Claffin), jovem milionário, que vê a sua vida “interrompida” após um
trágico acidente que o deixou tetraplégico. A família de Traynor, tradicional
na região da Inglaterra, logo o cerca de todos os cuidados. O rapaz tem ao seu
dispor um enfermeiro/fisioterapeuta 24 horas por dia, além de todo o conforto
do castelo em que mora. Sim,
o cara reside, literalmente, em um de seus vários castelos. Os seus pais,
interpretados por Charles Dance e Janet McTeer dão o peso necessário ao arco
dramático do filho. Na verdade, o elenco, muito bem escolhido, conferiu experiência por meio de atuações
seguras, representando
mais um acerto da diretora de teatro Thea Sharrock, estreante no cinema.
Contudo,
no meio do caminho havia uma Louisa Clark (a irreconhecível Emilia Clarke, a
Daenerys da série “Game of Thrones”, que demonstra versatilidade através de
suas multifacetas), uma jovem carismática contratada para ser a cuidadora.
Vivida com doçura por Clarke – a “mãe dos dragões” da indigitada série - a
humilde, mas, não menos alegre, Louisa é o contraponto ideal na relação. Contudo, apesar de parecer, não se trata de
um exemplar da Disney, embora a gentileza de Lou, reforçada por sua trajetória,
nos faça lembrar os contos de uma princesa: se lá o beijo liberta o príncipe do
corpo de um sapo, aqui, por analogia, temos uma destemida personagem feminina em
busca de nos fazer enxergar a beleza da vida, valorizando-a, mesmo diante de
uma tragédia.
A
fotografia, por sua vez, oscila entre paletas quentes e frias, representando ora
um ambiente agradável e amoroso que acompanha Louisa a todo instante - não é à
toa o figurino extravagantemente colorido que ela usa e abusa – e por outro
lado as cores moderadas, predominando o tom azulado e pastel, que retrata a
vida monótona e solitária de Traynor. Neste quesito, interessante perceber que
quanto mais os personagens interagem, mais as cores vibrantes parecem contagiar
o ambiente do sofrido Will.
E por falar em dualidade, a direção de arte é
cuidadosa e inteligente quando contrapõe as diferentes realidades dos
protagonistas: se Louisa reside numa modesta casa, de poucos cômodos, faltando
espaço, mas sobrando amor entre os habitantes; Traynor vive diametralmente o
oposto. Tanto é assim que em determinada cena, o seu pai se recolhe a um dos
inúmeros aposentos da mansão e diz a Lou que se precisar pode lhe ligar ou
mandar mensagem. Há, portanto, um distanciamento naquela família que aos poucos
a cuidadora vai entender os motivos.
Corajoso ao tocar em temas polêmicos como
a acessibilidade - também em países desenvolvidos - e a própria eutanásia, o
filme aborda essas questões sem jamais apelar à pieguice, saindo da zona de
conforto dos romances costumeiros (vide algumas obras de Nicholas Sparks, por
exemplo). Ponto para a sensibilidade do roteiro escrito pela própria autora do
livro, Jojo Moyes, que não se rende ao dramalhão, nem chororô, entregando uma
história contida, fugindo do verborrágico para se deleitar com o romântico,
contemplativo, como no enquadramento do cair de uma folha seca, que já foi
verde um dia: simples metáfora capaz de resumir bem uma das mensagens da obra. Admirável
ao não chamar a atenção para si, Sharrock se volta ao mundo dos personagens,
acertadamente, prendendo a atenção do espectador do início ao fim. O importante
aqui é simplesmente a relação subjetiva do casal e de todos à sua volta. Sóbria
ao construir a intimidade, sem pressa, de Lou e Will, a cineasta tem momentos
de inspiração quando captura uma dança pelo ângulo de um cadeirante, compondo
um belo travelling (giro de 360° da câmera em torno dos personagens), para
depois nos lembrar de que está contando a história de dois jovens, que, mesmo com
as suas limitações, ainda respiram juventude.
E é nesse ponto que o filme ganha
ares dramáticos, ajudado pelo ótimo texto – os diálogos são pertinentes com
pitadas de humor trágico/sarcástico sempre permeando o argumento – o que torna
os personagens mais humanos e próximos ao público. Como não se emocionar com o
desabafo sincero de um jovem homem tetraplégico, aos 31 anos, apaixonado pela
vida, que se vê preso a uma cadeira de rodas? Destaque também para a trilha sonora emocionante
de Ed Sheeran, que surge em momentos pontuais, fazendo o público suspirar.
Tocante,
“Como Eu Era Antes de Você” cativa pela simplicidade, mas não aquela relacionada
ao lugar comum, pelo contrário, a película nos faz sair pensativos da sala de
cinema, destacando-se, assim, de inúmeras produções enlatadas ultimamente.
*Avaliação: 4,0
pipocas + 4,5 rapaduras = nota 8,5.