quarta-feira, 16 de maio de 2012

RAPADURA DE OURO - A Montanha dos Sete Abutres

Obra-prima de Billy Wilder discute o jornalismo circense.
Rafael Morais
16 de maio de 2012.

É muito difícil se comprometer com a verdade? Creio que sim, e para algumas profissões essa tarefa é ainda mais árdua. O meio jornalístico, por exemplo, precisa da notícia para existir. Porém, muitas vezes, a história surge de uma forma, e é comunicada de outra, um tanto quanto mais afetada, sensacionalista e, por conseguinte, vendável. Tudo em nome da audiência, dos números e do lucro. Quem nunca exclamou isso ao assistir um telejornal: "Deus me livre, esse jornal só tem notícia ruim!" Claro, a informação quanto mais apelativa e nefasta, mais se vende.

A notícia deveria ser passada de maneira imparcial, guardando na figura do jornalista um elemento neutro que apenas informa a realidade dos fatos. Acredito que a partir do momento em que a história é alterada por alguma ação desse profissional, a informação já não é mais a mesma, passa a ser eivada de vícios, e, consequentemente, deturpada.

É nesse contexto que o cineasta Billy Wilder, dono de um currículo invejável (Crepúsculo dos Deuses (1950) O Pecado Mora ao Lado (1955), Quanto Mais Quente Melhor (1959), Inferno nº 17 (1953), Sabrina (1954), Testemunha de Acusação (1957) e Se Meu Apartamento Falasse, entre outros), oferece a sua visão nua e crua acerca desse mundo sorrateiro e falseado. 

O longa narra a história de Chuck Tatum (Kirk Douglas), um jornalista arrogante e inescrupuloso que ao perder o emprego em diversos jornais de grande circulação, se vê sem  rumo, com a sua carreira em franca decadência. Até que o destino o guia até uma pacata cidade do Novo México, onde arruma um emprego em um jornal discreto e correto, ao ponto de uma placa, dentro do escritório, já apresentar a filosofia de trabalho do pequeno jornal: "Diga a Verdade", dizia a mensagem. Máxima inconcebível para aquele profissional.   

A ideia é que esse trabalho fosse temporário, porém, o inquieto jornalista percebe que o tempo está passando e sua vida caiu na mesmice e no anonimato. Até que, para a infelicidade de um, e a alegria de tantos, um minerador (Richard Benedict) é soterrado em uma montanha próxima dali, Tatum vê a oportunidade que precisava para voltar aos holofotes: dramatizar a história daquele homem, mesmo que para isso tenha que colocar em risco a vida dele e subornar quem for preciso para manter a exclusividade da coisa, entre xerifes e esposas. Inclusive, a esposa do desafortunado minerador, gananciosa ao extremo, é uma das figuras mais repulsivas do filme, pois, desiste da ideia de abandonar o marido graças aos argumentos de Tatum, que precisa da figura da mulher bondosa e companheira ao lado do esposo, mesmo que tudo não passe de aparência. Está montada a história "perfeita", e o circo está prestes a pegar fogo. 

Neste diapasão, A Montanha dos Sete Abutres é, sem dúvida, um dos filmes mais amargos e raivosos já saídos de algum estúdio de Hollywood. Tudo no filme remete ao pior do ser humano: egoísmo, manipulação, trapaças... Servindo como estudo de ética para jornalistas em formação (o filme até hoje deve ser usado em faculdades), o discurso de Tatum resume perfeitamente o modo de se contar uma notícia: uma história individual, onde um homem apenas está em perigo, vende muito mais jornais do que se forem várias pessoas; afinal, um só é mais fácil dos leitores se importarem, pois você destrincha sua vida, ramifica a história, dramatiza-a, causando mais impacto do que um grupo. E isso é verdade, vide à atenção exacerbada que a mídia dá até hoje a casos individualizados (Caso Isabela Nardoni, Eloá, e por aí vai). 

A Montanha dos Sete Abutres é um retrato de como o meio jornalístico transforma simples notícias em espetáculos da vida real. Obra-prima que deve ser obrigatoriamente revisitada por todos que gostam de um cinema que vai muito além de denúncia, mas de retrato da vida. Um dos grandes clássicos esquecidos que merece ser redescoberto pelo grande público.



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