sábado, 27 de agosto de 2011

FILME: ABUTRES

"Enquanto uns querem salvar vidas, outros querem explorá-las."
Rafael Morais
26 de agosto de 2011.
O longa começa com alguns dados: na Argentina morrem todo ano mais de 8 mil pessoas em acidentes de trânsito, uma média de 22 por dia, e mais de 120 mil ficam feridas. Esse é o pontapé inicial para a apresentação do "Carancho" ou carcará, um tipo de advogado que fica à espreita da "presa" em hospitais de emergência ou até mesmo na própria cena do acidente, em busca de vítimas para acionar as empresas de seguro e "abocanhar" uma gorda fatia das indenizações . É a antiética captação de cliente levada ao extremo pelo cinema de gênero. E Sosa, interpretado pelo brilhante Ricardo Darín, com o talento que lhe é peculiar, representa essa laia de profissionais inescrupulosos. 

Ganhar a vida com a desgraça dos outros parece algo simples e natural aos olhos de Sosa e sua equipe de abutres, chegando ao ponto de encenar alguns gravames para ensejar as indenizações. Mas, tudo isso tem um preço, óbvio, e Sosa já começa o filme sendo surrado, fato que se repetirá. O seu interesse romântico não poderia ser outro, senão pela enfermeira novata Luján (Martina Gusman) responsável pelos atendimentos emergenciais de acidentes.
Perceba que a partir de então, o cineasta sugere um ambiente em que os personagens parecem estar em um labirinto de falcatruas, onde ninguém é totalmente inocente ou plenamente culpado. O lado podre do ser emerge e com ele a insegurança decorrente da certeza que não somos perfeitos. Muito pelo contrário. Uma concepção fatalista defendida pelo diretor Pablo Trapero como uma saída para Luján e Sosa encontrarem a redenção ao experimentarem na própria carne aquilo que assistiam de fora.

A densidade imprimida à película é resultado de uma visão madura e de uma escrita cinematográfica de um cineasta que introduz o espectador num mundo sujo e realista. Repare nas cenas filmadas nas ruelas de Buenos Aires, onde os guetos servem de "oficina" para alguns tentarem o seu lugar ao sol através da marginalidade. Ao escolher essas locações periféricas, o diretor demonstra, claramente, as intenções subversivas de um golpista inserido em uma metrópole, cujas oportunidades não chegam para todos. E vendo por esse prisma, a vitimização do improvável casal (advogado abutre e enfermeira salva-vidas) parece inevitável.


Uma trilha sonora limitada pelos sons ambientes que compõem a cena e uma fotografia visceral dão o ar da desgraça que o roteiro pretende passar. 
Mesmo com o cinema bem feito de Pablo Trapero e as interpretações precisas e dedicadas de Darín e GusmanAbutres carece de aprofundamento. Falta um pouco daquele sentimento depois da sessão que filmes como O Segredo dos Seus Olhos, de Juan José Campanella, que trabalha os acontecimentos e delineia a história com mais cuidado. Durante a película, vem aquela sensação : é assim e acabou. 

Em suma, sair da zona de conforto do "cinema de autor" e passear por outros gêneros representa um passo adiante. Fazer um filme com o velho discurso de que é o sistema que está doente, é um retrocesso.




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