segunda-feira, 11 de agosto de 2025

NOS CINEMAS - A Hora do Mal

 

Por Isa Barretto

Há antigas histórias e contos sobre forças capazes de seduzir e conduzir crianças para longe, retirando-lhes a vontade e o discernimento, como se o mundo ao redor perdesse importância. A 'Hora do Mal' resgata esse imaginário de forma velada, mas inquietante. Desde os primeiros minutos, paira sobre o filme uma sensação de manipulação invisível — algo, ou alguém, move os personagens como peças num tabuleiro que só o “jogador” enxerga por inteiro.

A trama se desenrola em uma cidade aparentemente normal, com todas as suas figuras conhecidas: a escola, o comércio, as famílias, a polícia e até aqueles que vivem à margem da sociedade. Esse cenário “comum” é um dos elementos mais perturbadores do filme, pois os acontecimentos não surgem em um lugar isolado ou exótico — eles nascem no coração do cotidiano, onde todos acreditam estar seguros. Um dia, às 2h17, dezessete crianças somem sem deixar rastros, restando apenas uma sobrevivente, Alex. A partir desse ponto, a trama se abre em diferentes perspectivas, revelando não só o mistério por trás do evento, mas também as culpas, os segredos e a tensão que passam a dominar a comunidade.

O diretor e roteirista Zach Cregger, que veio da comédia — assim como Jordan Peele —, traz para o terror um domínio surpreendente sobre o equilíbrio entre tensão e alívio. Em alguns pontos, insere doses precisas de humor, não para quebrar o clima, mas para torná-lo ainda mais desconfortável. É o tipo de riso que surge em momentos inoportunos, como se a vida seguisse seu curso mesmo quando tudo à volta está prestes a ruir.

Ao explorar diferentes pontos de vista, o filme expõe as fissuras desse microcosmo social. O colégio prefere “abafar” os fatos em vez de encará-los. Os pais carregam arrependimentos, ora por ausência, ora por negligência. Professores se tornam bodes expiatórios, punidos para que outros possam se eximir de responsabilidade. A polícia, falha tanto na aparelhagem quanto no preparo, tropeça diante da urgência. E o morador de rua, símbolo de quem vive à margem da exclusão, carrega informação e intenção de ajudar, mas é silenciado pela invisibilidade social.

O roteiro é paciente e calculado. Não corre para entregar respostas. Dá tempo para que cada personagem se apresente, permitindo que suas contradições e fragilidades venham à tona. É nesse ritmo que cenas aparentemente simples ganham peso simbólico. A corrida — com o corpo projetado para frente, veloz como uma flecha — é uma delas. À distância, parece liberdade; de perto, percebemos que é deslocamento dentro de limites invisíveis, um impulso que nunca leva para fora.

A montagem reforça a sensação de fragmentação. As perspectivas se alternam como peças de um quebra-cabeça imperfeito, onde cada corte revela mais sobre a subjetividade de quem vive a cena do que sobre o fato em si. Isso cria uma tensão constante: a sensação de que a história completa está ali, mas fora do nosso alcance.

A luz, a sombra, o silêncio e a constante sensação de algo à espreita criam um clima de antecipação que inquieta. O medo aqui não vem apenas do que aparece, mas do que se anuncia — e essa espera pelo que está por vir é o que realmente assusta.

Nas atuações, Julia Garner entrega uma personagem vulnerável, dividida entre sucumbir à culpa que lhe é imposta e se afundar num ciclo de autopiedade ou enfrentar o que a cerca e ajudar a desvendar o mistério. Josh Brolin, por sua vez, interpreta um homem imerso na culpa de não ter demonstrado todo o amor que sentia; sua busca por respostas é incessante, e cada pista que encontra é uma tentativa desesperada de se aproximar do filho — nem que seja nos sonhos recorrentes que o assombram. O elenco de apoio sustenta a densidade do filme, com personagens que se integram organicamente à história, cada um trazendo um fragmento de verdade que mantém o espectador em alerta.

No fim, 'A Hora do Mal' é horror em estado puro — não apenas pelo clima de tensão constante, mas também pelas imagens que ficam gravadas na mente, capazes de causar desconforto muito depois de a sessão acabar. É intenso, inquietante e perfeito para ser sentido na sala escura, onde cada som, cada sombra e cada impacto visual ganham força máxima! Fica a dica!

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Filmes da Vida -Orgulho e Preconceito (2005)

 

Por Isa Barreto

Vinte anos atrás, o diretor britânico Joe Wright estreava no cinema com uma missão desafiadora: adaptar um dos romances mais amados da literatura inglesa, 'Orgulho e Preconceito', de Jane Austen. O que poderia ter sido apenas mais uma releitura de época se transformou, nas mãos dele, em uma experiência sensorial e emocional que atravessou o tempo.

De cara, a estética saltava aos olhos. A câmera de Wright deslizava pelos salões e campos com fluidez e ousadia nas sequências de neblinas simbólicas e silêncios significativos. Era um romance de época filmado como se fosse uma coreografia emocional. E foi essa linguagem cinematográfica que dividiu algumas opiniões na época, mas que hoje é o que mais faz esse filme se destacar e se manter tão vivo.

Keira Knightley, aos 20 anos, entregou uma Elizabeth Bennet de espírito indomável, com o olhar afiado e a ironia nos lábios. Uma Lizzie moderna sem ser anacrônica. Forte, mas profundamente humana. Sua atuação lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz — e ajudou a redefinir o que o público esperava de heroínas de época.

Matthew Macfadyen, até então um nome pouco conhecido, reinventou o Sr. Darcy. Ao contrário do Darcy impetuoso e contido eternizado por Colin Firth na BBC em 1995, o de Macfadyen é mais introspectivo, vulnerável, quase hesitante. Mas é justamente essa contenção — esse amor sufocado, esse orgulho desmontado aos poucos — que torna seu Darcy tão memorável. Quando enfim declara: "Você me enfeitiçou de corpo e alma", é impossível não se render.

A primeira vez que assisti a 'Orgulho e Preconceito' eu era adolescente. Me deixei levar pela beleza das imagens, pelos diálogos que soavam como flechas gentis, e por aquele romance que surgia devagar, como quem aprende a dançar sem encostar os pés no chão. Tudo parecia mágico, quase inalcançável. Mas foi ao revisitar o filme com outras vivências que entendi sua verdadeira força: não era só sobre beleza — era sobre amadurecimento. Sobre orgulho, sim, mas também sobre coragem. Sobre como a gente muda quando escolhe escutar em vez de reagir. Cada novo olhar trouxe um sentido diferente — e foi nesse processo silencioso que ele se tornou um dos filmes da minha vida.

O roteiro de Deborah Moggach, com polimentos de Emma Thompson , foi certeiro ao manter a essência da obra de Austen, mas trazendo um ritmo mais acessível para novos públicos. Os diálogos fluem com a leveza que esconde a profundidade: uma crítica aos julgamentos apressados, às aparências sociais e às limitações impostas às mulheres.

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A crítica da época, embora majoritariamente positiva, teve suas ressalvas: alguns disseram que era esteticamente mais bonito do que profundo. Mas o tempo — esse crítico final — mostrou que estavam errados. O filme envelheceu com elegância. Continuou a encantar. E, para muitos, se tornou a versão definitiva da história no cinema.

'Orgulho e Preconceito' (2005) não é apenas um romance.

É um estudo sutil sobre como a gente aprende a amar melhor.

Sobre escutar antes de julgar.

Sobre mudar — não por alguém, mas por merecer ser merecido.

Vinte anos depois, o filme ainda pulsa.

Ainda há quem o reveja só pela cena do campo, com Darcy caminhando na névoa do amanhecer, onde o amor chega não com promessas, mas com presença.

E onde o silêncio fala mais alto que qualquer declaração.

'Orgulho e Preconceito' não envelheceu. Ele amadureceu.

E se tornou um clássico para quem ainda acredita que amor de verdade exige tempo, escuta e coragem.

terça-feira, 5 de agosto de 2025

Nos Cinemas - Quarteto Fantástico: Primeiros Passos

Por Isa Barreto

'Quarteto Fantástico – Primeiros Passos' marca o retorno de uma das equipes mais icônicas dos quadrinhos ao cinema, mas desta vez com um cuidado que nunca antes havia sido visto nas adaptações anteriores.A Marvel entende que não basta mostrar poderes impressionantes: o público precisa sentir quem está por trás deles. E é justamente por esse caminho mais humano, mais emocional e menos frenético, que o filme encontra sua força.

Desde sua criação em 1961, o Quarteto sempre representou algo diferente dentro do universo da Marvel: uma família, um grupo que convive com as próprias falhas, que briga, que se reconcilia, que se transforma — por dentro e por fora. Eles não são os mais poderosos, nem os mais populares, mas são os que mais carregam o peso do que é ser humano diante do desconhecido. E esse espírito está muito presente nesta nova versão.

A direção de Matt Shakman, que já havia explorado com competência emoções profundas em 'WandaVision', aposta novamente no poder do silêncio, do olhar, das conversas difíceis. Ele não tem pressa de mostrar os heróis em ação. Prefere, primeiro, nos fazer sentir suas dores, seus medos, suas rupturas. Isso faz com que a construção da equipe seja gradual, com tempo para o público se conectar a cada personagem individualmente — uma abordagem que, infelizmente, nem sempre tem sido priorizada no Universo Cinematográfico da Marvel.

Pedro Pascal assume o papel de Reed Richards com a serenidade de quem sabe que inteligência não resolve tudo. Seu Senhor Fantástico é um homem dividido, marcado por escolhas que afetam não apenas o mundo, mas as pessoas que ele ama. Vanessa Kirby, como Sue Storm, se torna o centro emocional do filme. Ela é o elo que tenta manter tudo em equilíbrio, mesmo quando tudo está prestes a desmoronar. E faz isso com uma atuação contida, mas poderosa, como se cada gesto carregasse um pedaço da história daquela família. Joseph Quinn, conhecido pelo carisma rebelde em 'Stranger Things', traz para Johnny Storm a chama certa entre provocação e vulnerabilidade. Ele é o mais impulsivo, o mais intenso, mas também o mais perdido. E Ebon Moss-Bachrach entrega uma versão do Coisa que comove sem precisar de exageros. Ben Grimm é força e solidão. É alguém que perdeu sua auto estima para continuar lutando. 

Os efeitos especiais estão lá, sim — e funcionam muito bem diga-se de passagem. Mas é quando o filme nos leva para dentro da dor, da dúvida e da busca de identidade de cada um que ele realmente se destaca. Não é uma história sobre poderes, é sobre como lidar com as consequências deles. E essa é uma escolha narrativa que valoriza o legado original do grupo nos quadrinhos, ao mesmo tempo em que posiciona o filme de forma madura dentro do Universo Cinematográfico da Marvel.

Mas o ponto que realmente humaniza esta história — e que a distancia dos filmes anteriores — é a decisão central dos personagens: eles escolhem a família. Quando Galactus surge como uma ameaça cósmica e impõe uma escolha devastadora, Reed e Sue se negam a entregar seu filho, Franklin, mesmo que isso signifique colocar tudo em risco. É nesse momento que o filme mostra que, acima de tudo, esses heróis são pais, irmãos e amigos. E que o verdadeiro heroísmo, às vezes, está em dizer “não” à lógica, em proteger quem se ama, mesmo diante do incontrolável.

Há ainda presenças importantes para os fãs mais atentos. A introdução de Shalla-Bal, uma versão alternativa da Surfista Prateada vivida por Julia Garner, adiciona camadas cósmicas à trama sem roubar o protagonismo do quarteto. E a figura ameaçadora de Galactus, interpretada por Ralph Ineson, cumpre seu papel como o grande desequilíbrio da balança entre o íntimo e o épico.

'Quarteto Fantástico – Primeiros Passos' pode não ser o filme mais barulhento da Marvel, mas talvez seja um dos mais necessários. Ele resgata a essência de quem esses personagens são, muito além das capas e dos poderes. Com atuações sólidas, uma direção sensível e um roteiro que respeita a inteligência emocional do público, o filme prova que, às vezes, o mais fantástico está em ser real.

sábado, 2 de agosto de 2025

Nos Cinemas - Lilo & Stitch


Por Isa Barretto 

Os desenhos da Disney marcaram gerações. Com traços simples, histórias emocionantes e uma pitada de magia, eles tocaram o coração de milhões de crianças pelo mundo. “Lilo & Stitch”, lançado originalmente em 2002, é um desses clássicos que, mesmo sem a pompa de princesas ou castelos, conquistou com sua essência única: a de uma família quebrada que se reconstrói através do afeto – ainda que esse afeto venha de um alienígena azul altamente destrutivo.

A chegada da versão live action reacendeu a expectativa em dois públicos bem distintos: os adultos que foram crianças naquela época e cresceram com a expressão "ohana significa família", e as crianças de hoje, que talvez estejam tendo seu primeiro contato com a história. O desafio era enorme – afinal, como emocionar novamente sem perder a autenticidade do original?

Mas o resultado infelizmente escorrega em um ponto fundamental: a falta de conexão do roteiro. O que antes era uma história recheada de silêncios cheios de significado, olhares que diziam muito, e uma trilha sonora havaiana embebida em saudade e pertencimento, agora se perde em uma narrativa apressada, onde o impacto emocional é substituído por explicações óbvias e diálogos rasos.

Na animação, Lilo era mais do que uma criança "estranha" – ela era solitária, sensível, desajustada em um mundo que exige encaixe. Sua dor e o esforço de sua irmã Nani em criá-la sozinha após a morte dos pais são palpáveis. Já no live action, essas camadas parecem diluídas. A relação das duas irmãs perde profundidade, e Stitch, que antes conquistava pela dualidade entre caos e afeto, agora é uma criatura digital bem feita , mas que pouco transmite em termos de emoção.

É é aí que o “faz de conta” da animação parece mais verdadeiro do que a tentativa de realismo nessa adaptação. Porque, por mais fantasiosa que seja, a versão animada sabe tocar onde realmente importa: no sentimento.

Claro, para quem nunca assistiu à obra original, talvez o live action funcione. É bonitinho, tem momentos engraçados e entrega uma aventura simples. Mas para quem cresceu com a versão de 2002, falta aquela lágrima que caía sem aviso quando Lilo dormia com um retrato rasgado na mão, ou quando Stitch caminhava sozinho pela floresta, murmurando que estava perdido – e pela primeira vez, desejando ser encontrado.

No fim, o novo “Lilo & Stitch” se torna apenas mais uma peça na engrenagem de adaptações que, ao tentar modernizar clássicos, acabam esquecendo que o que nos encantava não era apenas o que os olhos viam, mas o que o coração sentia. Era o afeto bordado em cada cena, como se a história tivesse sido desenhada com emoção, quadro a quadro.

E quando o real não consegue tocar tanto quanto a fantasia, o que antes era sonho se transforma apenas em mais um título no catálogo — bonito, mas esquecível.

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Dica Disney Plus - OPERAÇÃO VINGANÇA


Por Isa Barretto

'Operação Vingança' é um thriller de espionagem intenso e surpreendente que mergulha o espectador em uma trama movida por dor, vingança e desespero. Protagonizado por Rami Malek, o filme oferece uma abordagem pouco convencional ao colocar no centro da ação um homem que, diferente dos espiões tradicionais, não é treinado para matar, mas é perigosamente motivado pela perda.

Charles Heller é um criptógrafo da CIA — um profissional analítico, acostumado a decifrar códigos em segurança, longe da linha de frente. Mas quando uma tragédia pessoal abala profundamente sua vida, Heller vê seu mundo desmoronar. Diante da inércia e da frieza institucional, ele se vê consumido por frustração e indignação. Em um gesto desesperado, decide confrontar o próprio sistema em que trabalha, exigindo ser incluído em uma operação de alto risco — mesmo sem o devido treinamento, apenas com sua determinação e inteligência. A partir daí, um civil movido pela emoção passa a operar em um universo onde tudo exige sangue-frio e cálculo — um peixe fora d’água em um mar repleto de tubarões.

Rami Malek entrega uma atuação contida e poderosa. Ele interpreta Heller com a tensão interna de alguém que não nasceu para matar, mas se vê forçado a cruzar limites morais em nome de uma justiça pessoal. Sua performance é carregada de angústia e autenticidade, sem o glamour dos filmes de ação típicos — ele erra, hesita, sofre. E isso é o que torna tudo ainda mais crível e envolvente.

Rachel Brosnahan tem uma participação breve, mas significativa, como a esposa de Heller — sua presença é o fio emocional que impulsiona toda a trajetória do protagonista. Mesmo com pouco tempo em cena, Brosnahan entrega uma atuação sensível, que marca profundamente o desenvolvimento do personagem principal. Já Laurence Fishburne interpreta um veterano da CIA, responsável por  supervisionar a missão envolvendo Heller. Com sua habitual presença imponente, Fishburne representa o peso das decisões institucionais, funcionando como âncora de racionalidade em meio à impulsividade crescente do protagonista. Sua atuação carrega autoridade, mas também um senso de pragmatismo que tensiona a relação entre ética, dever e consequência.

Sob a direção de James Hawes, conhecido por seu trabalho em séries marcantes como Black Mirror e Doctor Who, o filme mergulha em uma atmosfera densa e inquietante. Com uma fotografia de tons frios e enquadramentos que reforçam a sensação de confinamento emocional, a narrativa visual transmite tensão mesmo nos momentos de silêncio. A trilha sonora discreta, quase imperceptível em alguns trechos, intensifica o clima de suspense, instabilidade e vigilância constante.

'Operação Vingança – The Amateur' vai além da ação. Ele questiona as estruturas de poder, critica a letargia institucional e nos coloca diante da pergunta: até onde alguém pode ir quando a justiça falha? Heller não é um herói tradicional. Ele é um homem quebrado po dentro, tentando fazer justiça com as próprias mãos, mesmo sem saber exatamente como. E é justamente essa imperfeição que torna o filme tão humano.

Com performances intensas, uma direção precisa e uma narrativa que entrelaça emoção e intriga com equilíbrio raro, o filme se destaca como um dos thrillers mais envolventes do ano e já está disponível na Disney Plus. É o tipo de obra que não termina com os créditos — ela deixa no ar aquela inquietação típica das boas histórias: em quem confiar quando todos têm algo a esconder?

quinta-feira, 17 de julho de 2025

PARALELOS: 'Click' e 'Questão de Tempo'


Por Isa Barretto

A relação que temos com o tempo é, ao mesmo tempo, fascinante e inquietante. Há dias em que gostaríamos de acelerá-lo, outros em que tudo o que queremos é que ele pare por um instante. Essa tentativa de controlar o tempo — ou pelo menos entendê-lo — é o fio condutor de dois filmes muito diferentes em estilo, mas profundamente conectados em essência: 'Click' (2006), estrelado por Adam Sandler, e 'Questão de Tempo' (About Time, 2013), com Domhnall Gleeson e Rachel McAdams.

Em 'Click', Michael Newman (Adam Sandler) recebe um controle remoto universal que, além de mudar os canais da TV, permite pausar, avançar e rebobinar momentos da sua própria vida. A princípio, parece resolver todos os seus problemas: ele pula discussões com a esposa, doenças, dias difíceis no trabalho e avança direto para o que considera mais importante. Mas, ao deixar que o controle tome decisões automáticas com base em suas escolhas anteriores, Michael começa a pular justamente os momentos que não se repetem — aniversários dos filhos, conversas com o pai, pequenas rotinas que formam a memória afetiva de uma vida. Ao tentar manipular o tempo, ele se distancia da própria existência.

Já em 'Questão de Tempo', Tim (Domhnall Gleeson) descobre que os homens de sua família têm o dom de voltar no tempo, podendo revisitar e alterar momentos passados. Diferente de Michael, ele não busca atalhos para o sucesso, mas sim reviver momentos cotidianos com mais cuidado. Ao longo do filme, ele aprende que o verdadeiro poder não está em corrigir o passado, mas em aproveitar melhor o presente. E, ao contrário de Michael, que tenta acelerar o tempo para chegar a algum lugar, Tim opta por desacelerar para saborear onde está. Seu pai, interpretado por Bill Nighy, o conduz nesse entendimento com uma delicadeza que torna o filme ainda mais reflexivo.

Ambos os protagonistas têm em mãos um tipo de controle — um literal, outro mental — e ambos acreditam que dominar o tempo é uma maneira de viver melhor. No entanto, o que descobrem ao longo da jornada é que, ao tentar controlar o tempo, correm o risco de perder o que ele tem de mais precioso: a presença. 'Click' mostra a consequência de viver no piloto automático; 'Questão de Tempo' revela a beleza de viver com intenção.

No fundo, esses dois filmes nos lembram que o tempo não é algo a ser vencido, e sim compreendido. Que o valor da vida está nos instantes mais simples e nos encontros que não podem ser programados ou repetidos. Talvez a verdadeira sabedoria esteja justamente em viver por inteiro o agora — porque, no fim das contas, por mais que a gente tente, o tempo nunca está sob nosso controle.

terça-feira, 15 de julho de 2025

Bailarina - Do Universo de John Wick


Por Isa Barretto

De um bom filme de ação, esperamos mais do que tiros bem encaixados ou coreografias milimétricas. Esperamos tensão, urgência, personagens em conflito. Esperamos que a adrenalina venha com peso emocional. Que cada golpe carregue motivo. Que a fúria tenha história.

A boa ação, afinal, não é feita só de movimento — é feita de sentido.

Em 'Bailarina', de Len Wiseman, Ana de Armas entrega presença, domínio corporal e uma estética irrepreensível. Cada cena é pensada para impactar visualmente. A atmosfera é elegante, o ritmo é calculado. Mas ainda assim, algo fundamental não acontece: a conexão.

A trama acompanha Eve Macarro, uma jovem criada em uma escola secreta de assassinas após testemunhar o assassinato de seu pai. Anos depois, ela retorna para se vingar dos responsáveis, seguindo pistas que a levam ao submundo onde nada é o que parece. A premissa é simples e promissora — mas o desenvolvimento, limitado.

Os poucos diálogos que surgem não constroem pontes — pelo contrário, esvaziam ainda mais os vínculos. Em vez de aprofundar relações ou revelar camadas, parecem inseridos apenas para preencher o silêncio, sem deixar marcas nem criar conexão real.

Sem trocas entre os personagens, sem pausas que respirem emoção, a trajetória da protagonista se torna um deslocamento mecânico. A dor existe, mas não se compartilha. O vazio não é poético — é apenas vazio.

Mesmo com a presença de Keanu Reeves, o filme não ganha densidade. Ele aparece como figura de reforço, mas a trama não se beneficia desse encontro. Falta história entre eles, falta tensão real. A referência ao universo de ação ao qual o longa pertence está lá, mas não vibra.

É como se o filme soubesse de onde vem — mas não soubesse para onde está indo.

Algumas escolhas de roteiro também comprometem a imersão. Na sequência inicial, durante a invasão de sua casa, apenas dois atiradores armados na defesa. O pai, sem reforços, enfrenta-os sozinho. E quando finalmente ele esconde a filha, volta à luta, sem qualquer estratégia ou chance real de defesa.

O conflito deveria instaurar o trauma que move toda a narrativa... mas a encenação soa apressada. A ameaça parece improvisada, quase simbólica. Em vez de tensão, o que se sente é o peso de uma oportunidade dramática mal explorada.

Len Wiseman, conhecido por 'Anjos da Noite' e 'Duro de Matar 4.0', tem um estilo marcado por ação estilizada e ambientações sombrias. Em 'Bailarina', seu traço visual está presente, mas sem o suporte emocional que poderia transformar imagens em experiências.

O filme impressiona pelo visual, mas não sustenta o que promete.

O longa escolhe a superfície. E se contenta com a estética.

Mas cinema de ação de verdade é mais do que impacto visual: é carne, é nervo, é história em combustão.

E após quase duas horas de tudo isso, a pergunta que não quer calar: o que faz um filme de ação ser inesquecível? A cena perfeita ou o motivo por trás dela?