Há filmes que se constroem como histórias, e há outros que se constroem como experiências. Steve pertence a essa segunda categoria. A câmera não apenas observa — ela respira dentro da escola, tropeça junto com os personagens e revela o retrato de um sistema em colapso. São poucas horas dentro daquele espaço, mas o tempo parece expandir-se, como se a rotina tivesse um peso próprio, sufocante e quase físico.
Baseado no livro Shy, de Max Porter, e dirigido por Tim Mielants, o filme acompanha um único dia na vida de Steve, interpretado com uma intensidade extremamente contida por Cillian Murphy. Diretor de uma escola para adolescentes marginalizados, ele tenta manter o controle de um ambiente que já não responde à autoridade. Entre reuniões, crises e silêncios prolongados, o que desaba diante da câmera não é apenas a instituição — é principalmente o homem que a sustenta.
A narrativa se desenvolve em tempo quase real, e é isso que dá ao filme sua força: o espectador sente o avanço das horas como se estivesse preso dentro daquela escola. A fotografia crua, os planos próximos e o som que mistura vozes e ruídos transformam o cotidiano em tensão pura. A direção não antecipa o caos com música ou truques visuais; ela o insinua. A câmera se aproxima, hesita, muda de foco — e essa inquietação faz o público pressentir o descontrole antes mesmo que ele aconteça.
Cillian Murphy carrega o filme com uma atuação que parece estar sempre ali: à beira do colapso. Cada olhar é uma tentativa de permanecer, cada gesto revela o desgaste de quem acredita demais. Há algo profundamente humano na forma como ele tenta manter a compostura enquanto o mundo à sua volta se fragmenta. Murphy não apenas atua — ele desaba em silêncio, e é nesse silêncio que o filme encontra sua alma.
A direção de Mielants evita qualquer embelezamento: corredores gastos, luz fria, conversas atravessadas, vozes que se sobrepõem. Tudo parece natural, mas nada é casual. Cada enquadramento é pensado para capturar o peso invisível da rotina, o limite da paciência, o ponto em que o humano se dissolve no dever.
O roteiro de Max Porter recusa a ilusão da redenção. Não há vilões nem heróis, apenas pessoas cansadas tentando sobreviver dentro de um sistema que exige demais e devolve pouco. A escola funciona como metáfora da própria vida adulta: um espaço onde todos fingem ter o controle, quando na verdade ninguém tem.
No fim, Steve não quer consolar — quer confrontar. Ele nos faz sentir o que é segurar o mundo com as mãos trêmulas e continuar mesmo quando não há mais força. É um filme que emociona sem melodrama, que provoca sem discurso. Ao encarar o esgotamento como matéria humana, ele pergunta — com honestidade e dor — quem cuida de quem cuida.
Steve é menos um drama e mais um espelho. Um retrato de todos aqueles que seguem, mesmo quando já não sabem mais o por quê.
