Por Isa Barretto
Entre paredes e séculos: o tempo como morador silencioso.
Existem filmes que não falam com pressa. Eles sussurram. Observam. Deixam o tempo passar enquanto a gente sente. 'Aqui' (Here) e 'Sombras da Vida' (A Ghost Story) são exatamente assim. Duas obras que, em silêncio e delicadeza, nos lembram que o tempo não pede licença — ele simplesmente mora ali, com a gente, mesmo quando não notamos.
Ambos os filmes têm um ponto fixo: uma casa. Uma sala. Um pedaço de chão. É ali que tudo acontece — e desacontece. Em Aqui, dirigido por Robert Zemeckis, a câmera fixa observa décadas se desenrolarem em uma mesma sala. Vidas entram e saem, histórias se tocam sem se ver. E o que parece banal — uma janela, um sofá, uma fotografia esquecida — se torna testemunha de amores, dores, silêncios e recomeços.
Já em 'Sombras da Vida', de David Lowery, é o próprio tempo que veste um lençol. Um fantasma silencioso observa o mundo girar sem ele. O apego à casa não é apenas por saudade — é por tudo o que ela representava: um amor, um propósito, um lar. E o filme nos lembra de forma quase poética que o tempo passa diferente quando a alma não está pronta pra partir.
Ambos nos fazem pensar: quantas memórias existem em um cômodo onde hoje só há silêncio? Quantas versões de nós já passaram por onde agora estamos sentados?
É sobre isso. Sobre o quanto o espaço nos molda. Sobre como a casa, às vezes, guarda mais da gente do que a própria memória. E sobre como o tempo — esse inquilino invisível — permanece, mesmo quando tudo muda.
Entre móveis que mudam de lugar e luzes que atravessam a parede, 'Aqui' e 'Sombras da Vida' nos convidam a parar. A perceber que o tempo está sempre presente, mesmo quando achamos que ele foi embora. E talvez o grande gesto seja aceitar: tudo passa… mas algumas presenças,mesmo invisíveis, permanecem.