terça-feira, 22 de abril de 2025

NOS CINEMAS - Pecadores


Por Rafael Morais e Isa Barretto

Imagine se Jordan Peele dirigisse 'Um Drink no Inferno': esse é 'Pecadores', novo filme escrito e dirigido por Ryan Coogler. Ambientada no sul dos Estados Unidos, a obra é banhada por suor, talento, fé e sangue. O filme nos conduz ao Mississipi da década de 1930, período ainda marcado pelo segregacionismo, onde cada esquina guarda um segredo e cada nota de blues pode acordar algo ancestral.

Logo de início, conhecemos os irmãos gêmeos Fumaça e Fuligem (Michael B. Jordan em um trabalho impressionante de dualidade), que vivem no limiar entre o sagrado e o profano. Anti-heróis complexos, que não são exatamente maus — apenas frutos de um mundo que se alimentava do sofrimento negro enquanto dizimava suas raízes.

No universo de 'Pecadores', a música é mais do que expressão: é ritual. O blues, roubado por mãos brancas, torna-se um canal para entidades, pactos e possessões. A crítica sobre apropriação cultural é tão clara quanto cortante. Aqui, o vampirismo é simbólico e literal: quem consome a arte negra também suga sua alma, sua história — e apaga quem a produziu.

É nesse cenário que brilha Sammie, “O Pastorzinho” (Miles Caton), dividido entre seguir os passos de fé do pai ou mergulhar no blues, sua paixão e vocação mais profunda. Em uma das falas mais marcantes do filme, o pai lhe diz: “Se você dança com o diabo, um dia ele vai bater à sua porta.” Essa sentença ecoa como maldição e aviso, não apenas para Sammie, mas para todos que caminham na corda bamba entre a perdição e a rendição.

A fé, neste filme, é chave. Não como um dogma, mas como uma barreira contra o mal. Ryan Coogler articula, com maestria, uma fábula de surrealismo negro onde o espiritual está entrelaçado ao cotidiano e a salvação exige não só escolha, mas coragem e raízes firmes.

O fato é que Coogler não faz apenas um filme de terror. Ele invoca. Ele denuncia. Ele celebra e transcende. 'Pecadores' é uma obra onde os mortos falam e os vivos lutam para não se perder. Ao final, a pergunta não é sobre o bem ou o mal — mas sobre quem bateu à sua porta…e se você abriu.

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