quinta-feira, 24 de abril de 2025

NOS CINEMAS: Until Dawn - Noite de Terror


Por Isa Barreto e Rafael Morais

Baseado no aclamado game do Playstation Studios, 'Until Dawn' estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 24 de abril, sob direção de David F. Sandberg, prometendo transportar para as telas a tensão e o suspense psicológico que marcaram a experiência interativa do jogo. Mas o que era conhecido por colocar o jogador no centro de decisões morais, múltiplos finais e reviravoltas construídas com paciência, aqui vira uma história de rota única — e previsível. 

Com Ella Rubin e Michael Cimino à frente do elenco, a entrega dos atores até convence nos momentos mais densos, mas esbarra em personagens pouco desenvolvidos. A ambientação é promissora: uma casa isolada nas montanhas, chuva incessante, corredores sombrios. Tudo parece caminhar para um mergulho no trauma da protagonista. A chuva, metáfora possível de um estado depressivo. A casa, os monstros, reflexos de sua mente fragmentada. Mas essa simbologia é apenas sugerida — e nunca realmente explorada.

Ao contrário do game, onde cada escolha pode alterar o curso da história, o filme não nos dá espaço para duvidar ou questionar. A grande virada — aquela que poderia recontextualizar tudo — é inserida apenas nos minutos finais, como um lembrete de que havia, sim, uma tentativa de profundidade. Só que ela chega tarde demais, sem base suficiente para se sustentar.

O roteiro ainda tenta dialogar com o imaginário do terror contemporâneo, piscando para referências como 'O Segredo da Cabana' e 'Evil Dead'. Mas falta ao filme a ousadia do primeiro e o descontrole visceral do segundo. As criaturas que aparecem — entre elas o Wendigo, mencionado quase como um aceno ao público gamer — são pouco contextualizadas; e outras figuras, como um vilão mascarado que remete a um "Jason moderno", surgem e desaparecem sem função narrativa clara.

'Until Dawn', no cinema, parece hesitar entre ser uma homenagem ao terror adolescente e uma jornada interna sobre dor, perda e reconstrução. E nessa indecisão, entrega um filme que tenta assustar, mas não assombra. Tenta ser profundo, mas só molha os pés. E tenta homenagear clássicos do terror, mas esquece que para ser um deles, é preciso mais do que sustos fáceis (pura diversão escapista) e maquiagem sombria — é preciso alma.

Ainda assim, o filme pode interessar aos curiosos e fãs do gênero, como uma adaptação que tentou — mesmo que timidamente — trazer para as telonas a sombra emocional de um jogo que se tornou referência. Só é preciso entender: o controle, dessa vez, não está nas nossas mãos.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

NA NETFLIX - Como Ganhar Milhões Antes que a Vovó Morra

 

Por Isa Barretto

Dirigido por Pat Boonnitipat e protagonizado com uma entrega emocionante por Usha Seamkhum e Putthipong Assaratanakul , o filme tailandês surpreende ao entregar uma história profunda, cheia de humanidade e silêncios que gritam.

Não se engane pelo título: o que parece ser uma comédia de interesse logo revela sua verdadeira essência — um drama sensível, dolorosamente real, sobre vínculos familiares, finitude e o amor que nasce nos detalhes de quem cuida e é cuidado.

Para quem já acompanhou de perto a jornada de um familiar fragilizado, o filme é um espelho. Ele ativa gatilhos profundos: o cansaço físico, a exaustão emocional, a culpa invisível e o medo de não estar fazendo o suficiente. Mas também lembra das pequenas graças — um olhar, uma lembrança dividida, um gesto silencioso que diz: “você não está sozinho”.

A relação entre a avó e o neto é o coração pulsante da narrativa. Eles não partem de um laço idealizado — há mágoas, ruídos e interesses misturados. Mas é nesse terreno imperfeito que floresce algo genuíno: o cuidado que transforma, o afeto que amadurece, o amor que aprende a se expressar mesmo diante da morte.

'Como Ganhar Milhões Antes que a Vovó Morra' não quer apenas emocionar — ele quer que a gente lembre. Lembre da última refeição dada com carinho. Lembre do tempo que faltou e do que foi possível oferecer. Lembre que algumas heranças não são materiais, mas ficam marcadas para sempre.

Prepare os lenços. Não apenas para as lágrimas, mas para limpar o coração de quem, por amor, já ficou até o fim.


terça-feira, 22 de abril de 2025

NOS CINEMAS - Pecadores


Por Rafael Morais e Isa Barretto

Imagine se Jordan Peele dirigisse 'Um Drink no Inferno': esse é 'Pecadores', novo filme escrito e dirigido por Ryan Coogler. Ambientada no sul dos Estados Unidos, a obra é banhada por suor, talento, fé e sangue. O filme nos conduz ao Mississipi da década de 1930, período ainda marcado pelo segregacionismo, onde cada esquina guarda um segredo e cada nota de blues pode acordar algo ancestral.

Logo de início, conhecemos os irmãos gêmeos Fumaça e Fuligem (Michael B. Jordan em um trabalho impressionante de dualidade), que vivem no limiar entre o sagrado e o profano. Anti-heróis complexos, que não são exatamente maus — apenas frutos de um mundo que se alimentava do sofrimento negro enquanto dizimava suas raízes.

No universo de 'Pecadores', a música é mais do que expressão: é ritual. O blues, roubado por mãos brancas, torna-se um canal para entidades, pactos e possessões. A crítica sobre apropriação cultural é tão clara quanto cortante. Aqui, o vampirismo é simbólico e literal: quem consome a arte negra também suga sua alma, sua história — e apaga quem a produziu.

É nesse cenário que brilha Sammie, “O Pastorzinho” (Miles Caton), dividido entre seguir os passos de fé do pai ou mergulhar no blues, sua paixão e vocação mais profunda. Em uma das falas mais marcantes do filme, o pai lhe diz: “Se você dança com o diabo, um dia ele vai bater à sua porta.” Essa sentença ecoa como maldição e aviso, não apenas para Sammie, mas para todos que caminham na corda bamba entre a perdição e a rendição.

A fé, neste filme, é chave. Não como um dogma, mas como uma barreira contra o mal. Ryan Coogler articula, com maestria, uma fábula de surrealismo negro onde o espiritual está entrelaçado ao cotidiano e a salvação exige não só escolha, mas coragem e raízes firmes.

O fato é que Coogler não faz apenas um filme de terror. Ele invoca. Ele denuncia. Ele celebra e transcende. 'Pecadores' é uma obra onde os mortos falam e os vivos lutam para não se perder. Ao final, a pergunta não é sobre o bem ou o mal — mas sobre quem bateu à sua porta…e se você abriu.

sábado, 19 de abril de 2025

PARALELOS - 'Aqui' e 'Sombras da Vida'


Por Isa Barretto

Entre paredes e séculos: o tempo como morador silencioso.

Existem filmes que não falam com pressa. Eles sussurram. Observam. Deixam o tempo passar enquanto a gente sente. 'Aqui' (Here) e 'Sombras da Vida' (A Ghost Story) são exatamente assim. Duas obras que, em silêncio e delicadeza, nos lembram que o tempo não pede licença — ele simplesmente mora ali, com a gente, mesmo quando não notamos.

Ambos os filmes têm um ponto fixo: uma casa. Uma sala. Um pedaço de chão. É ali que tudo acontece — e desacontece. Em Aqui, dirigido por Robert Zemeckis, a câmera fixa observa décadas se desenrolarem em uma mesma sala. Vidas entram e saem, histórias se tocam sem se ver. E o que parece banal — uma janela, um sofá, uma fotografia esquecida — se torna testemunha de amores, dores, silêncios e recomeços.

Já em 'Sombras da Vida', de David Lowery, é o próprio tempo que veste um lençol. Um fantasma silencioso observa o mundo girar sem ele. O apego à casa não é apenas por saudade — é por tudo o que ela representava: um amor, um propósito, um lar. E o filme nos lembra de forma quase poética que o tempo passa diferente quando a alma não está pronta pra partir.

Ambos nos fazem pensar: quantas memórias existem em um cômodo onde hoje só há silêncio? Quantas versões de nós já passaram por onde agora estamos sentados?

É sobre isso. Sobre o quanto o espaço nos molda. Sobre como a casa, às vezes, guarda mais da gente do que a própria memória. E sobre como o tempo — esse inquilino invisível — permanece, mesmo quando tudo muda.

Entre móveis que mudam de lugar e luzes que atravessam a parede, 'Aqui' e 'Sombras da Vida' nos convidam a parar. A perceber que o tempo está sempre presente, mesmo quando achamos que ele foi embora. E talvez o grande gesto seja aceitar: tudo passa… mas algumas presenças,mesmo invisíveis, permanecem.

sábado, 12 de abril de 2025

NOS CINEMAS - Mickey 17


Por Isa Barretto

O que define um bom filme?

Pra muita gente, é a história que prende. Pra outros, são os personagens que parecem de verdade. E tem quem se encante com a direção afiada, a fotografia que emociona, ou até aquele final que fica dias na cabeça. Um bom filme é aquele que conecta — com o público, com a emoção, com a própria proposta. E é exatamente aí que 'Mickey 17', novo trabalho de Bong Joon-ho (adaptação do livro homônimo de Edward Ashton), derrapa feio.

Depois do sucesso estrondoso de Parasita, que levou o Oscar e arrebatou plateias no mundo todo, a expectativa era que Bong entregasse mais uma obra com identidade forte, e narrativa inteligente. Mas 'Mickey 17' parece tropeçar na própria ambição.

A premissa até chama atenção: Mickey é um “descartável”, um clone enviado para missões suicidas em um planeta inóspito, renascendo com todas as memórias da versão anterior. A ideia abre espaço para discussões filosóficas e sociais potentes: até onde vai o valor da vida quando podemos simplesmente “repor” alguém? O que define a identidade quando se é substituível? E mais — o que acontece quando um planeta já habitado precisa ser esvaziado para dar lugar à colonização humana? Quem decide quem fica e quem deve ser apagado?

O problema é que o filme levanta essas perguntas, mas não sustenta o debate. As duplicações se acumulam, os conflitos morais são apenas sugeridos, e o roteiro vai se perdendo entre idas e vindas desconexas. Falta amarração, falta ritmo, falta entrega.

Robert Pattinson se esforça para dar vida (ou vidas?) a Mickey, mas a atuação de Mark Ruffalo, por exemplo, parece fora de tom, quase deslocada — como se estivesse em outro filme. A sensação é de que o elenco, assim como o espectador, ficou esperando o momento em que tudo faria sentido. Mas esse momento nunca chega.

'Mickey 17' tem bons questionamentos, uma estética interessante e um diretor renomado por trás. Mas esquece de fazer o principal: contar uma história que envolva. No fim, fica a impressão de que vimos muitas versões de um personagem, mas nenhuma versão de um bom filme.