sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

E o Oscar vai para...CREPÚSCULO DOS DEUSES

Obra-prima de Billy Wilder escancara, destemidamente, o backstage de Hollywood em plenos anos dourados. 

Por Rafael Morais

Em plenos anos 1950, o diretor e roteirista Billy Wilder entregou um filme extremamente crítico ao próprio método hollywoodiano de se fazer Cinema. Estamos diante de um drama com um contexto histórico cruel, mas fascinante. Wilder conseguiu captar a transformação da indústria cinematográfica ao narrar a decadência de uma estrela dos filmes mudos ao tempo em que denuncia a falta de oportunidades para muitos atores antigos do ramo. 

A transição do Cinema mudo para o falado acarretou no esquecimento de vários astros e estrelas que foram substituídos, abruptamente, sem dó nem piedade. O olhar expressivo, as mímicas e o estudo do corpo como forma de expressão não eram mais suficientes. Os diálogos, as explicações das cenas e, por que não dizer, a "verborragia" passou a ser elemento narrativo tão importante quanto o trabalho corporal.

Em 2011, “O Artista”, abordou o tema com bastante clareza, ganhando o Oscar de melhor filme naquela ocasião. Sabemos, todavia, que a Academia tem suas escolhas politicamente corretas, como forma de se desculpar por erros cometidos em seu passado recente, onde alguns atores estavam condenados a cair no ostracismo. Era apenas uma questão de tempo.  

Inserido nesse contexto, Sunset Boulevard, nome da rua onde fica a mansão da estrela - e que dá nome ao filme - guarda uma tradução que se encaixa perfeitamente com a temática: a avenida do pôr do sol, crepúsculo, a saída de cena do sol. Nada mais apropriado.

E é nesse endereço que Norma Desmond (a magnífica, Gloria Swanson), ex-diva dos filmes mudos, vive solitária com seu fiel empregado Max von Mayerling (Erich von Stroheim). Sua vida dá uma guinada quando o fracassado roteirista – e também narrador da história – Joe Gillis (William Holden) chega à sua casa fugindo de cobradores, utilizando a mansão como cativeiro perfeito para que ninguém o encontre. Quando Norma descobre a profissão de Gillis, e sua aptidão para escrever argumentos, resolve lhe mostrar o rascunho de uma história e pede que o rapaz a melhore para que Cecil B. DeMille a dirija no papel principal.

E é por esses bastidores da antiga Hollywood que a história vai se desenvolvendo, mostrando todos os podres da indústria, dividindo as opiniões e as críticas. À época, enquanto alguns aplaudiam por um longo tempo o filme ao término das projeções, outros quase batiam (literalmente) em Wilder, considerando-o um traidor. 

Utilizando de pura metalinguagem para contar a história, o genial cineasta faz sua arte falando sobre ela. A verdade é que de ponta a ponta o filme é formado por frases emblemáticas. Entre tantos diálogos impactantes, destaco aquele em que DeMille adverte Norma: "Os tempos são outros. Tudo está diferente e mais complicado." Em outras palavras: você não tem mais voz nem vez. Memoráveis aspas que causam empatia direta do espectador com o conflito da protagonista: “Eu sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos.”; “Estou pronta para o meu close, Mr. DeMille.”, diz Norma se relutando a aceitar o esquecimento.

As situações criadas são de uma magistralidade à parte. O modo como a edição conecta os atos, até mesmo através da narração que vai costurando tudo, faz com que nunca fiquemos cansados ou desinteressados pelo que está sendo mostrado. 

Um exemplo disso é quando Gillis, nosso odioso coprotagonista, decide se livrar de toda a “escravidão” que estava vivendo, já que passara a morar na casa da atriz, eclodindo um relacionamento obsessivo entre os dois. Ao tentar sair da residência, o sujeito acaba, ironicamente, ficando preso pela corrente de sua roupa à maçaneta da porta de entrada, numa clara rima visual que ele estaria preso àquele lugar. 

Não menos inesquecível é a sequência em que Norma Desmond visita o set de filmagens de DeMille, nos estúdios da Paramount, e ali, por poucos instantes, ela se sente imersa naquele mundo que outrora já foi seu. A emoção é completa quando os atores, contrarregras e produtores reconhecem a ex-estrela sentada na cadeira do diretor e correm para contemplá-la. Nesse instante, os holofotes voltam-se para a dama do Cinema mudo por alguns segundos, e, subitamente, repito, sem dó nem piedade, o implacável diretor manda o iluminador retirar a luz de cima da atriz, como forma de dizer que o tempo dela já passou.

Nesta toada, vale ressaltar a atmosfera de suspense (quase um horror psicológico) que envolve algumas cenas, retratando a sensação inebriante da fama e sua consequente abstinência. Quando, por exemplo, nos damos conta que Norma já está em notório estado de demência - ou seria esquizofrenia?! - e sua obsessão pela fama/glamour a levam por diversos e tortuosos tratamentos estéticos, na ânsia, desmedida e em vão, pelo papel principal em um novo filme. Mera ilusão!

Assim, a importância de “Crepúsculo dos Deuses” se reflete no Cinema moderno em forma de referência. É fácil traçar um paralelo entre Nina (Natalie Portman) de “Cisne Negro” (2010) e Norma. Aronofsky bebeu da fonte e tá tudo certo.  As semelhanças entre as duas protagonistas podem ser percebidas pela busca de notoriedade, fama e sucesso; além de enfrentarem uma concorrência desleal entre seus pares, afinal todos querem um lugar ao sol antes que ele se ponha.   

Na composição de cenário e ambientação, o clima sombrio das residências da bailarina e da atriz também se assemelham. Mérito para a formidável direção de arte. Mas é na obsessão compulsiva de ambas, ainda que diametralmente opostas, que reside o maior diálogo entre esses dois filmes, quando comparados. De um lado está uma artista que pretende, a todo custo, se manter nos holofotes e provar algo a si mesma (Nina); e de outro, há uma atriz esquecida pelo grande público, esmagada pelo "trem" descarrilado da juventude, do desenvolvimento tecnológico e das suas inovadoras formas de comunicação/mídia (Norma).         

Ao final, o mais assustador é observar que mais de meio século se passou desde a produção do longa e, guardadas as proporções, nada mudou drasticamente. “Crepúsculo dos Deuses” é um clássico além do seu tempo que serve de inspiração até hoje. Uma irônica homenagem à indústria do entretenimento. Imperdível! 

*Avaliação: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 10,0.

** A produção concorreu a 11 estatuetas no Oscar de 1951, ganhando 3 no total.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

E o Oscar vai para...LA LA LAND: CANTANDO ESTAÇÕES

 

Por Rafael Morais

Depois do explosivo “Whiplash: Em Busca da Perfeição”, o diretor e roteirista Damien Chazelle retornou com o incrível “La La Land: Cantando Estações” – de onde tiram tantos subtítulos gratuitos?!

No longa, somos apresentados a uma Los Angeles idealizada representada por uma metáfora em forma de um inspirado plano-sequência, já na abertura do filme, por meio de um enfadonho engarrafamento - dualizado pela ânsia da chegada e pela vivacidade da juventude retraída dentro de veículos que parecem não sair do lugar - podemos enxergar a “dura fila” que os jovens artistas enfrentarão para alcançar o estrelato através de um número coreografado simplesmente impressionante!

Sim, estamos diante de um musical que homenageia os seus precursores hollywoodianos em forma de nostalgia e paixão. E por mais que eu tenha certo preconceito com este gênero, acabei me conectando intensamente com a obra. 

O filme narra a trajetória de Sebastian, o formidável Ryan Gosling na pele de um pianista em busca de resgatar o jazz na sua essência. O cara sonha em abrir um clube voltado ao clássico estilo musical, que na sua visão vem morrendo lentamente e merece uma sobrevida, uma chance para que as novas gerações possam desfrutar deste genuíno som. O que acaba se harmonizando, de forma metalinguística, com o próprio gênero cinematográfico abordado.

Perceba o discurso do amigo de Sebastian, vivido pelo cantor John Legend (já ganhador do Oscar pela canção original do filme “Selma”), quando, tentando convencer o pianista a fazer parte de uma nova banda pop, indaga mais ou menos isso: “como você quer reviver o jazz se toca apenas para meia dúzia de pessoas, com mais de 90 anos de idade, num clube qualquer? Apresente-o a uma nova geração, com uma nova roupagem”. E é exatamente isso que “La La Land” faz!

As referências aos grandes clássicos musicais do cinema americano estão ali, na nossa cara, mas nem por isso Chazelle se perde apenas no ato de reverenciar. É simples, mas, emocionante, por exemplo, ver Ryan Gosling abraçar discretamente um poste de luz branca, em formato de globo, durante um número, tal qual Gene Kelly em “Dançando na Chuva”. Ponto também para a caprichada direção de arte. 

Desta maneira, o idealizador cria algo novo em cima do antigo e reoxigena o estilo com um filme revigorante, energizante e lindamente construído nos conflitos pessoais de seus personagens. Não há nada pretensioso aqui, diga-se de passagem. Mas talvez seja exatamente por isso que nos sentimos tão próximos dos protagonistas, tamanha a humanidade de suas histórias compostas por muitas desilusões e sofrimentos até o ápice. 

Nesse contexto, entra em cena a magistral Emma Stone. Atriz corajosa, que vem escolhendo personas cada vez mais complexas no Cinema, Stone acolhe a sua Mia como um presente. E sua espetacular atuação lhe rendeu o Oscar de melhor atriz naquele ano. Mia é uma atriz iniciante, balconista de um café, que tem o seu caminho cruzado por Sebastian, todos envoltos nesta cidade extremamente competitiva, L.A., perseguindo fama e sucesso. É nesta premissa que o roteiro pinta e borda, literalmente, tendo no elenco a chave para o triunfo desta produção. 

A evocativa fotografia, por sua vez, carrega uma intensa paleta de cores que retrata a passionalidade com que os seus personagens surgem em tela, sejam coadjuvantes ou meros figurantes. Tudo está planejado para emocionar – e o público adora ser enganado por uma história bem contada - assim como a fábrica de emoções construída pelos estúdios ou em takes a céu aberto.

Não menos sensacional, a trilha sonora, a mixagem e a edição de som são um show à parte. Seja nas lindas canções que o longa nos presenteia ou até mesmo na “simples” captação de sapateados em cima de carros - os sons diegéticos entram e saem sem cerimônia - o filme tem uma identidade marcante e a sua alma é captada em qualquer movimento. Tecnicamente impecável, a fita ainda reserva uma montagem dinâmica que transita por todas as estações do ano, como o subtítulo sugere, de forma elegante e fluida. 

A iluminada direção de Chazelle - que emprega cortes rápidos quando necessários, e planos abertos sempre que possível - é anacrônica em sua linguagem narrativa, somando, novamente, àquela mensagem de reembalar o clássico e servi-lo com uma aquarela pop à nova audiência, sem jamais soar superficial ou desrespeitoso. 

*Avaliação: 5,0 pipocas + 5,0 rapaduras = nota 10.

* O filme concorreu a 14 indicações ao Oscar, igualando o feito de “Titanic”; ganhando 06, ao final.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Aniversariantes Memoráveis - 22 anos de PSICOPATA AMERICANO

Uma sátira à sociedade de consumo que vive de aparências. 

Por Rafael Morais

Patrick Batman Bateman (Christian Bale) é um jovem acima de qualquer suspeita. Bonito, rico, bem vestido e educado, o executivo disfarça, até certo ponto, uma mente doentia que o atormenta. Mas como alguém poderia imaginar que aquela figura "engomadinha" seria um serial killer pronto para explodir, se o que importa é a embalagem e não o conteúdo? Como uma sociedade alienada e "viciada" identifica um comportamento estranho, mesmo que ele seja óbvio e notório, se quem o pratica é uma figura bem sucedida que frequenta as altas rodas da high society? Essas são as questões propostas pelo filme baseado no livro homônimo de Bret Easton Ellis, clássico da literatura estadunidense. 

"Eu tenho todas as características de um ser humano. Mas nenhuma única emoção identificável, exceto ganância e aversão", revela Bateman em uma de suas autoconfissões. Até então, o nosso protagonista tenta segurar a máscara que está prestes a cair, travando diálogos internos recheados de humor negro. Aliás, esse tipo de humor, como elemento narrativo, acrescenta sobremaneira à história. "Eu assisti com minha mãe, ela estava chorando de tanto rir! Que alívio!", disse Christian Bale. Ufa!

Contudo, o filme não escapou da censura imposta pela Motion Picture Association of America - órgão que rege a classificação indicativa dos filmes por lá. A cena de ménage à trois do “assassino” (pra lá de narcisista) com duas prostitutas foi demais para eles. Interessante é que tal sequência é muito mais engraçada do que picante. Violência pode, mas sexo é inconcebível!

Controvérsias à parte, não menos recorrente é a obsessão doentia de Bateman em relação ao status de quem o cerca. Perceba que ele passa mal, suando frio, de tamanha inveja que sente dos cartões de visita (um mais bonito e luxuoso que o outro) de seus colegas de trabalho. 

Relevante perceber o capricho da direção de arte ao contrapor os objetos propostos em cena. Se por um lado temos facões, machados, revólveres, serra elétrica e até disparador de pregos; o outro lado da mesma moeda traz cremes esfoliantes, bronzeamentos artificiais e ternos da alta costura. A direção de Mary Harron cumpriu bem a missão de capturar a essência do livro.  

Diante desse cenário, não se sinta culpado se você começar a rir em cenas como a que o jovem e ocioso executivo, despido de remorso, faz um memorável discurso tentando justificar a carreira solo de Phil Collins, enquanto uma pobre mortal aguarda inocentemente no sofá para ser a próxima vítima.

A propósito, a trilha sonora é um show à parte. Os hits dos anos 80 ambientam fielmente cada cena, demonstrando a fase walkman. A partir de então, a individualização do homem moderno foi inevitável, uma vez que poderia ouvir o que queria, só pra ele, sem compartilhar com ninguém, vivendo e interagindo em seu próprio mundo. Perceba que, desde então, tornou-se moda personalizar tudo. As coisas passaram a ter a "cara" do seu dono. E para os antissociais, essa “bolha” se tornou uma desculpa ideal para continuar alheio e apático a tudo e a todos ao seu redor.

Enfim, Psicopata Americano é um horror psicológico sarcástico que subverte o ideal do american dream ao dilacerar esse conceito à base de muita ironia. 

*Avaliação: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 10.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Aniversariantes Memoráveis - 07 anos de MAD MAX - ESTRADA DA FÚRIA

Por Rafael Morais

Em "Mad Max - Estrada da Fúria" temos o retorno da franquia após longos 30 anos do último filme. Película visualmente arrebatadora, que tem no seu ponto alto as alucinantes perseguições de carros, com efeitos especiais práticos em sua grande maioria, trazendo uma aura saudosista para os que curtem um cinema verossímil. Não foi à toa os 200 milhões de dólares investidos.

Por sua vez, a direção de George Miller, no alto dos seus setenta anos, é paradoxalmente revitalizante em sua maneira de filmar o gênero de ação, conseguindo, ao mesmo tempo, ser eletrizante e contemplativo nas belas tomadas de cenas/imagens que evocam muito mais que mil palavras.

Assim, esse novo "Mad Max" é um western num futuro distópico interessantemente atual ao flertar com temas da nossa realidade, apesar de trazer figuras insanas e grotescas condizentes com aquele submundo.

Destaque para a caprichada direção de arte que ambienta o espectador no universo pós-apocalíptico proposto. Aliás, a fotografia traduz bem o amarelo desértico e causticante do dia, contrapondo o azul acinzentado quando a noite cai. Não menos interessante é a trilha sonora que permeia entre o clássico/erudito e o rock heavy metal diegético com uma pegada metalinguística ao trazer um personagem tocando uma guitarra explosiva pendurado em um paredão de som. Sim, Miller destrói e constrói essas personas, harmoniosamente, dentro do contexto ali apresentado.

Contudo, se dessa vez temos um esforçado e talentoso Tom Hardy no lugar do carismático Mel Gibson, ganhamos a presença de Charlize Theron em uma atuação tão forte que coloca o Max como coadjuvante de luxo para os planos da protagonista.

Para os fãs da saga, fiquem tranquilos: Mad Max voltou em grande estilo e sua mitologia foi integralmente respeitada.

*Avaliação: 5,0 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 9,5. 

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

NOS CINEMAS - Uncharted: Fora do Mapa

Por Rafael Morais
16 de fevereiro de 2022

Adaptar um jogo eletrônico para os cinemas, de forma bem sucedida, se transformou em um dos maiores desafios que a indústria dos blockbusters já enfrentou. E isso se deve, entre outras questões, ao fato de que nos videogames quem controla o protagonista, quem dita o seu rumo, é o espectador enquanto sujeito ativo da narrativa.

E por mais que o script do game seja linear - sem ser de "mundo aberto" - essa impressão de mover a história pra frente, literalmente, causa uma sensação de poder indescritível ao jogador. Ter o “controle nas mãos” é algo extremamente satisfatório e uma experiência solitária, muitas vezes. Será que o público está disposto a compartilhar o seu "herói" favorito de maneira coletiva?! Será que a falta desse pseudo poder de decisão realmente influencia no resultado negativo (de crítica e público) de uma obra baseada em um jogo?!

Incertezas à parte, o Playstation Studios escolheu a franquia Uncharted para debutar em Hollywood e tentar quebrar esse estigma. A escolha não foi à toa, uma vez que os jogos guardam aspectos cinematográficas como uma de suas principais características. Seja pelos mirabolantes planos-sequência de ação, seja pelo esmero na direção de arte e desenvolvimento das personas.

Nessa toada, a aventura de Nathan Drake e sua turma chega às telonas numa proposta de rejuvenescimento dos personagens e mudanças de suas origens. Ajustes do estúdio para não reproduzir fielmente a mesma história já contada e conhecida pelos fãs, além de não "nichar" tanto o público, alcançando uma classificação indicativa mais abrangente. E claro: surfar no hype do carismático Tom Holland, o atual Peter Parker/Homem-Aranha do MCU.

Em tese, a busca por um tesouro perdido é o pretexto da jornada. Mas o sucessor do lendário pirata Francis Drake, pelo menos era isso que os seus pais diziam, encontra mesmo sua motivação mais nos meios do que no fim. O jovem órfão Drake está mais interessado na expedição do que propriamente no espólio. Assim, Nathan tem uma personalidade carismática e humana que atrai a identificação imediata da plateia: o cara é sarcástico, malandro, despojado, leal e bem-humorado. Em que pese o lado cafajeste se perder um pouco na versão de Holland.

Entretanto, se por um lado temos um protagonista multifacetado - inclusive a carapuça de anti-herói também lhe serve; por outro, faltou profundidade ao antagonista. Antonio Banderas exagera nas frases prontas, nas "caras e bocas", entregando um vilão estereotipado até dizer chega. Claro que o roteiro, previsível e superficial, não acertou a mão. É como se Nathan e seu parceiro Victor Sullivan (Mark Wahlberg) estivessem dançando uma música e embalados por um ritmo totalmente diferente dos demais. A química entre os dois acontece e as melhores cenas sempre envolvem a dupla, de alguma maneira. Sophia Taylor Alli (como Chloe Frazer) completa o trio de ladrões "desonrados" entre si, sem tanto destaque como merecia.

Antecipadamente, confesso que finalizei todos os jogos da saga, são cinco ao total, e isso interferiu muito nesta minha análise, mas pelo lado positivo. Me peguei com o sorriso no rosto, várias vezes, captando todas as referências que pipocavam na tela. Duvido se o espectador médio, que não se envolveu com o game, vá curtir tanto o longa-metragem, tamanho o fan service ali entregue.

Desde a abertura, onde a Playstation Productions apresentou sua nova introdução animada, caprichadíssima e que acabou de “sair do forno”; passando pela utilização da linda música-tema de "Uncharted 4: The Thief's End" ressoando ao fundo; até perceber o discreto easter egg de um pequeno adesivo da "Naughty Dog" - desenvolvedora dos jogos - na mala de viagem de Nate. Tudo me causava arrepio e desbloqueava as melhores memórias das minhas jogatinas.

No entanto, devo dizer que apesar de extremamente divertido e despretensioso, "Uncharted: Fora do Mapa" é aquela típica diversão escapista de uma boa e clássica "sessão da tarde", onde as cenas de ação cumprem bem o seu papel - se você não levar em consideração a física e fizer meia dúzia de "licenças poéticas". É uma produção que vai dialogar mais com quem teve a oportunidade e o prazer de conhecer os jogos do que captar novos fãs.

Pitfall, Indiana Jones e Tomb Raider fiquem tranquilos: Uncharted é uma mistura respeitosa e atual de todos vocês juntos. É um "continue" no lugar do "game over". É a Sony pensando grande a partir de pequenos começos. "Sic Parvis Magna".

* Tem duas cenas pós-créditos.

** Avaliação: 5,0 Pipocas + 3,0 Rapaduras = 8,0.