Por Rafael Morais
05 de dezembro de 2017
Releitura
da aclamada obra de Agatha Christie chega aos cinemas sob o comando do diretor
e ator Kenneth Branagh, após longos 43 anos desde a adaptação de Sidney Lumet. “Assassinato
no Expresso do Oriente” envelheceu bem, tendo em vista a sua abordagem sobre temas
como ética e justiça, tudo inserido em um pano de fundo social microcósmico: um
trem e os seus tripulantes.
O detetive
Hercule Poirot (Kenneth Branagh), diante de um imprevisto, embarca no trem
Expresso do Oriente, graças à amizade que possui com Bouc (Tom Bateman), sujeito
responsável pela coordenação da viagem. Já a bordo, ele conhece os demais
passageiros e não aceita a proposta do estranho e mal-encarado Edward Ratchett
(Johnny Depp), que desejava contratá-lo para ser seu segurança particular. Na
noite seguinte, Ratchett é morto em seu vagão. Com a viagem momentaneamente
interrompida devido a uma nevasca, que fez com que o trem descarrilhasse, Bouc
convence Poirot para que use suas habilidades dedutivas de forma a desvendar o
crime cometido.
Baseado
nesta premissa, temos uma elegante e inspiradora direção de Branagh que se
utiliza de lindos, e não menos eficientes, planos-sequência, capazes de situar
o espectador no imenso trem, bem como apresentar “en passant” os misteriosos tripulantes. A câmera passeia com
leveza por fora e por dentro do trem captando os personagens e revelando um ar
de suspeição pairando em cada um. Todos são suspeitos em potencial. Sensacional!
Assim, repare
na forma com que o cineasta segue a movimentação do lendário detetive Poirot,
caminhando por cada compartimento, durante a investigação: ângulos altos,
panorâmicas e a utilização de lentes grande angular, em momentos pontuais, só
auxiliam na linguagem cinematográfica proposta. A locomotiva ganha vida e o
mistério paira sobre os seus vagões, o que também é perceptível pelo público na
escolha da paleta de cores escuras durante a noite do assassinato, e o jogo de sombras,
confrontando a gama de cores mais claras na resolução, o que é justificado pelo
próprio texto libertador que Poirot recita ao final.
O elenco,
por sua vez, é estelar e contribui para o sucesso do longa. Desde o próprio
Branagh como o excêntrico e bigodudo Poirot (dizem que a escritora Agatha Christie
quando assistiu ao filme de Lumet na década de 70 não gostou do “discreto” mustache do protagonista – penso que
agora ela não teria motivos para reclamar); passando pela recém-queridinha de Hollywood, Daisy Ridley, até os experientes William Dafoe e
Michelle Pfeiffer, todos sustentam os seus papeis e entregam atuações fora do
piloto automático. Cada personagem, desde o protagonista até os coadjuvantes
(sim, no plural), tem a sua importância na trama e o tempo de tela é bem
controlado, não há excessos ou faltas.
Para não
dizer que a obra é redondinha, o desvendar do crime, no momento em que Poirot
liga as pontas soltas e raciocina logicamente o que aconteceu na fatídica
noite, merecia uma representação mais cinematográfica, do ponto de vista
estético, ficando limitado a um cambaleante preto e branco para demonstrar um
fato passado, nem tão pretérito assim, faltando emoção e mais apuro visual
(suspense gráfico). Vale salientar, no entanto, que esse probleminha não tira o
charme do filme, muito menos diminui o seu debate bastante atual sobre o “se fazer
justiça”. Mérito de uma autora genial que escreveu o livro na década de 30, mas
que continua dialogando harmonicamente com o nosso mundo de hoje.
*4,5 pipoca + 4,5 rapadura = nota 9,0.