quinta-feira, 29 de setembro de 2016

NOS CINEMAS - Cegonhas

Por Rafael Morais
29 de setembro de 2016

Por incrível que pareça “Cegonhas” é apenas a segunda produção da Warner Animation Group, depois do sucesso de “Uma Aventura Lego”. Aliás, o curta-metragem exibido na prévia, também no formato Lego, é hilário ao homenagear os filmes de arte marcial: uma excelente entrada para o “prato principal” que estava por vir. Abraçando o nonsense desde o início, o longa nos apresenta o universo fantástico onde as aves são responsáveis, literalmente, não só pela concepção, como também pela entrega de bebês humanos. 

Neste contexto surreal, conhecemos Junior (na voz de Kleber Toledo), um aspirante a chefe na empresa de entregas do ambicioso diretor Hunter, um executivo que se aproveita das habilidades de seus pares para abrir um enorme negócio, substituindo o dom natural dos bichos de entregar crianças para o ramo de entrega de objetos, fazendo alusão direta a estes sites de compras na internet (e-commerce). Na busca pela promoção, Junior tem que lidar com Tulipa, uma órfã humana que, por um erro de execução não foi entregue aos seus pais, acabou crescendo em meio às cegonhas. 

Mas a guinada na história ocorre quando Nate, um menino solitário cujos pais não lhe dão a atenção devida por conta do trabalho, escreve uma carta à empresa pedindo um irmãozinho. Por acidente, o bebê é criado e o fardo de entregá-lo, secretamente, recai sobre Junior e Tulipa. Vivendo altas aventuras e confusões (sim, utilizei o clássico jargão das sessões da tarde), a improvável dupla enfrenta alguns sub-vilões, como a alcateia liderada pelos lobos “Alfa e Beta”. Engraçadíssimos, estas ameaças mais divertem do que causam perigo. Interessante notar a habilidade dos diretores Nicholas Stoller e Doug Sweetland em compor as piadas até em situações tensas como nas perseguições alucinantes, por exemplo. Toda vez que os lobos põem em prática a capacidade de, coletivamente, se transformar em qualquer estrutura, seja um submarino ou um carro, nos sentimos cada vez mais imersos naquele mundo desprovido das leis da física, flertando com o absurdo, do jeito que as animações costumavam ser. Claro, tudo isso antes do “sombrio e realista” tomar o espaço do nosso jeitão oitentista de nos divertir. Assim, desenhos como “Papaléguas” e “Looney Tunes” podem ter servido de inspiração nas gag’s visuais do filme. 

Além da montagem orgânica - imprimindo um ritmo gradual à película animada - outro ponto alto é o ótimo roteiro capaz de prender a atenção do espectador, adulto ou criança, distribuindo bom humor para todos os gostos, através de diálogos inteligentes, que nunca subestimam o seu público. 

Não menos sagaz é o modo com que temas complexos são suavemente abordados: discussões de casais nos entraves do dia a dia; as diversas situações enfrentadas em um local de trabalho; a falta de tempo de jovens pais, principalmente os que trabalham em casa (home office), tendo que dividir sua atenção com as tarefas e o filho; a cobrança da criança pela presença dos pais no lazer; os primeiros dias de adaptação de um bebê, quando os pais tentam de tudo para fazê-lo dormir; a mercantilização dos valores humanos, na figura do megaempresário Hunter, entre outras investidas. 

Desta forma, mais um personagem que merece destaque é o Pombo Luke (interpretado por Marco Luque). Representando o famoso estereótipo do “puxa-saco” dentro de uma empresa, Luke, dono de uma voz irritantemente carismática e imaginação fértil, é o coadjuvante ideal que arranca risos fáceis sempre quando surge em cena. E por falar em risada, a inspirada sequência da luta em profundo silêncio, para não acordar o bebê, de Junior e Tulipa contra uma turma de pinguins é um daqueles momentos capazes de diferenciar um filme acima da média dos demais. Simplesmente sensacional! 

Fotografado com maestria por Simon Dunsdon, “Cegonhas” ainda nos presenteia com belas imagens, como a revoada dos pássaros ao final, cobrindo o céu, lindamente azul, entregando um típico “feel good movie”, daqueles que você sai da sala de cinema tão leve quanto os personagens-título.     

*Avaliação: 5 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 9,5.    

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

NOS CINEMAS - Café Society

Por Rafael Morais
26 de setembro de 2016

Woody Allen volta a falar sobre o acaso - pouco inspirado, desta vez - em mais uma de suas comédias dramáticas. Banhado por uma fotografia solar de Vittorio Storaro, condizente com a Los Angeles dourada apresentada (também uma referência à era de ouro do cinema americano dos anos 30), o filme introduz o seu protagonista Bobby (Jesse Eisenberg) como um estereótipo de seu criador: repare nos trejeitos e caracterização do personagem que quase emula os de Allen. Se toda criatura tem um pouco de quem o concebeu, não é por acaso o fato de Bobby falar rápido, ter uma postura insegura, soltar frases paradoxais e existenciais. 

Na verdade, não precisa se esforçar para perceber que estamos diante de uma obra de Woody Allen. A identidade visual e sonora são uma de suas marcas cinematográficas. Observe já na abertura, com a tela preta e letreiros na cor branca, sempre na mesma fonte, acompanhada por jazz casual ao fundo: já sabemos quem assinou a obra. E quando os diálogos surgem, berram: "Allen, Allen". Como sou admirador do cineasta, já me entreguei, de cara, a mais um episódio proveniente de sua cabeça efervescentemente inquieta. 

Desta vez, acompanhamos um pouco dos bastidores da indústria do cinema como pano de fundo de uma historia de amor que envolve ganância, intriga e dilemas existenciais, como não poderia deixar de ser. Nesta situação, somos apresentados a um importante agenciador de atores na figura de Phill (Steve Carrel). Desde o princípio, a imponência deste personagem está estampada em tudo à sua volta. O plano-sequência que abre o longa mostra Phill sendo chamado para atender a um telefonema, tendo que se ausentar de uma luxuosa festa à beira de uma piscina, cercado por astros e estrelas da sétima arte. Do outro lado da linha, sua humilde irmã (Jude Davis), lhe roga um favor: que acolha o sobrinho Bobby, desempregado, na cidade e lhe ofereça uma oportunidade de trabalho. A partir desta cena é notória a preocupação da obra em dualizar os dois mundos desta mesma família: se por um lado Phill vive mergulhado num universo caloroso, quente e solar, que remete ao conforto; seus irmãos, que possuem condições financeiras diametralmente opostas, acabam refletidos em ambientes de paleta fria, sem cores vibrantes, demonstrando um cotidiano normal, quase que sem graça. 

Neste sentido, toda vez que Phill surge em cena, os cenários que lhes cerca são imensos, sempre com espaço sobrando, tomado por móveis lustrados e figurinos impecáveis. De outra parte, a sua humilde família é sempre enquadrada em locais apertados, móveis simples e figurinos triviais. Com a exceção de Ben (Corey Stoll), o gângster deslocado. Mas a ideia realmente é essa: destacar as duas personas, Phill e Bobby, daquela “pacata” linhagem. O extraordinário salta aos olhos do cineasta. 

Mas o filme tenta ganhar fôlego com a chegada do sobrinho ao mundo novo apresentado. Narrando os desafios e desilusões amorosas de um jovem “inocente” conhecendo a realidade pelos olhos de Vonnie (Kristen Stewart), a secretária de Phill, o roteiro tende a “novelizar” demais as situações, sem contar com uma estranha (para não dizer desnecessária) narração em off do próprio diretor.  Aliás, a falta de expressão de Stewart incomoda ao ponto de não entendermos como ela despertou a paixão de Bobby. E o pior: o filme homenageia, aqui e acolá, algumas das grandes atrizes de Hollywood, como Gloria Swanson, por exemplo. Deste modo, escalar Stewart se tornou um erro de casting, já que mais tarde entra em cena a talentosa Blake Lively (Veronica) desfilando carisma, dona de uma beleza elegante, condizente com o glamour da época. 

Mesmo torcendo contra o casal principal (e o não se importar com o desfecho dos protagonistas acaba se refletindo num pálido final), que vivem um relacionamento obsessivo, o público tende a se apegar a qualquer coisa para não perder o foco, uma vez que o desenvolvimento dos personagens é sofrível. Assim, a Nova York filmada no pôr do sol é deslumbrante (assim como em Manhattan) ao ponto de nos esquecermos, por um instante, da efemeridade do que está sendo falado, para nos flagrarmos encantados com a estética da composição: a embalagem vencendo o conteúdo, o que é raro na filmografia do idealizador.

*Avaliação: 2,5 pipocas + 3 rapaduras = nota 5,5 

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

NOS CINEMAS - O Homem nas Trevas

Por Rafael Morais
19 de setembro de 2016

O cineasta uruguaio Fede Alvarez despontou para os holofotes hollywoodianos com o curta “Ataque de Pânico” lançado no Youtube há 07 anos. Não demorou a Sam Raimi apresentar o novel diretor em um projeto ousado, mas que deu muito certo: regravar o cultuado “Evil Dead” (traduzido por aqui como “A Morte do Demônio”). E a aposta em Alvarez vem dando ótimos frutos: o remake se saiu bem na crítica e público ao ponto de alavancá-lo a outros trabalhos. Chegamos, assim, a este "O Homem nas Trevas" com a expectativa nas alturas. Entretanto, devido a um roteiro pífio, o resultado não atinge o nível esperado, por mais que o diretor deixe o seu “DNA esparramado” em cada frame (sim, esta expressão faz referência a uma determinada cena do filme). 

O argumento, por sua vez, é bastante simples: um grupo de jovens ladrões decide furtar a casa de um idoso, cego, reformado do exército. Segundo relatos, a vítima mora sozinha e estaria guardando em sua casa uma bolada em dinheiro vivo proveniente de uma indenização judicial. Mas o que seria um sonho se torna um pesadelo para os delinquentes quando se veem trancafiados com um sujeito repleto de mágoa, forte e raivoso, tal qual o seu cão. Aliás, a homenagem a "Cujo" - obra de Stephen King adaptada para home video que alegrou as minhas tardes de cine trash na infância - está explícita para quem quiser enxergar (desculpe o trocadilho novamente). 

Abraçando os clichês do gênero, que vão desde as tomadas de decisões imbecis a não dar o "tiro de misericórdia/golpe final" no vilão, entre outras, para não entregar trechos importantes do filme, Alvarez capricha mesmo é na linguagem narrativa, entregando ótimas rimas visuais. Esqueça a cafonice da joaninha, por favor. Repare no plano-sequência empregado após a invasão da residência: um take sem corte capaz de situar o espectador no enorme cenário. A câmera passeia pelos cômodos entregando detalhes, armadilhas e objetos que serão essenciais no decorrer da película: revólver embaixo da cama, martelo acima da bancada, entre outros. 

Outro destaque do filme fica por conta do orgânico design e mixagem de som. Com o volume no talo, tal qual a crescente tensão, sentimos a nossa audição tão aguçada quando à de um deficiente visual. Qualquer barulhinho é captado pela técnica e introduzido nos momentos adequados, com maestria e sensibilidade, provocando a imediata sensação de angústia tanto nos personagens quanto no espectador. 

Por outro lado, esse quesito evidencia um dos buracos do pálido roteiro, já que o homem cego (sim, o vilão não tem nome), em determinados instantes, não consegue sequer notar que tem alguém bem na sua frente, enquanto em outros sente até o cheiro do chulé dos bandidos, nos fazendo concluir que o olfato do sujeito é mais apurado que sua audição. 

Falhando também na tentativa de aproximar o anti-herói do público, a obra não consegue nos fazer se importar com o desfecho da personagem feminina Rocky (Jane Levy), mesmo se utilizando de uma criança para justificar os seus fins, o que só demonstra um pretexto rasteiro para uma ladra extremamente gananciosa cometer os seus crimes. Não colou! 

Já a ambientação em Detroit combina com a atmosfera sugerida, uma vez que a cidade foi assolada pela crise financeira em 2008. E nesse propício contexto, somos apresentados a Stephen Lang compondo um homem de físico imponente, transpirando ameaça, mesmo sem enxergar, desprovido de remorso, que teima em não abandonar o seu bairro, como fizeram os seus vizinhos, e com o senso de justiça claramente deturpado, ficando somente a cargo da reviravolta (plot twist) o elemento capaz de colocá-lo na posição de vilão/monstro.  

Contudo, felizmente, o talento do cineasta para filmar o horror se sobressai. O gore está na medida, na linha tênue entre o escatológico, como deve ser. Observe os enquadramentos fechados (close) nos semblantes de agonia das vítimas indefesas, bem como na utilização dos efeitos de “zoom out” e “dolly in” (truques na lente da câmera capazes de alterar o comprimento focal e distanciamento do fundo) servindo para encarcerar ainda mais os personagens, trazer senso de urgência e/ou desorientação. Hitchcok fez escola e Alvarez aprendeu direitinho!

* Avaliação: 3,5 pipocas + 3,0 rapaduras = nota 6,5.                    

terça-feira, 6 de setembro de 2016

NOS CINEMAS: Star Trek - Sem Fronteiras

Por Rafael Morais
06 de setembro de 2016

Uma trilogia se fecha ao passo que um universo de possibilidades se abre: essa é a sensação deixada após a sessão de "Star Trek - Sem Fronteiras", ratificada pelo próprio subtítulo. O segredo do sucesso no ressurgimento da franquia pode residir, entre diversos fatores, na química do elenco formado por um seguro Chris Pine, cada vez mais à vontade no seu Capitão Kirk; um Zachary Quinto sempre inspirado, que constrói o seu Spock com a complexidade necessária de um ser meio vulcano, meio homem; sem esquecer os demais integrantes da Enterprise: como o carismático Sulu (John Cho), o russo Chekov (Anton Yelchin, precocemente falecido após as filmagens), Uhura (Zoe Saldana), o engenheiro Scott (Simon Pegg, também responsável pelo roteiro), fechando com o doutor “Magro” (o polivalente Karl Urban) o alívio cômico sempre bem-vindo. A propósito, o humor está bem empregado durante toda a película, seja através de gags visuais ou diálogos expositivos. 

Neste episódio, a tripulação da Enterprise encontra-se no terceiro ano da missão de exploração do espaço prevista para durar cinco anos. O ato de humanidade do capitão Kirk, curioso por novas descobertas (o que move toda a trilogia), põe toda a tripulação em perigo ao atender a um pedido de socorro, o que acaba os ligando ao vilão Krall (Idris Elba), um insurgente, anti-Frota Estelar, interessado em um objeto de posse do líder da nave. Com o ataque à Enterprise (não é spoiler, está nos trailers) todos vão parar em um planeta desconhecido, onde o grupo acaba sendo dividido em duplas. 

Sendo assim, o roteiro sagaz de Simon Pegg é simples, mas não simplista, sendo evidenciado pelo ótimo ritmo imposto ao longa. E a ideia de dividir a turma em duplas confere uma dinâmica à montagem, ainda sobrando tempo para nos apresentar a novos personagens, como a exótica guerreira Jaylah (Sofia Boutella). Se durante as eficientes cenas de ação, a pancadaria nos prende à tela, quando há uma pausa para desenvolver os personagens, o filme consegue, com o mesmo êxito, envolver o público a se importar com o destino dos protagonistas. E por falar em ação, o diretor Justin Lin, que já comandou um capítulo da franquia "Velozes e Furiosos", põe toda o seu know-how à disposição e manda ver no tiro, porrada e bomba, literalmente. Pena que nas sequências iniciais de ação, a escolha por coreografar as lutas tão de perto, praticamente em close-up, confunde a geografia da cena, fazendo com que o espectador se perca e não saiba sequer quem levou um soco, deixou cair a arma, ou até mesmo quem morreu. Talvez o uso de uma panorâmica, ou ângulos mais abertos, aqui e acolá, como fez o brilhante antecessor J.J. Abrams, fosse a decisão mais acertada. 

Sorte que do 2° ato em diante o idealizador parece acertar na misancene, bem como no equilíbrio das cores. Perceba a excessiva escuridão nos takes que se passam à noite: com o passar da projeção a saturação vai se corrigindo e a fotografia, agora ajustada com a paleta, vai tornando o filme cada vez mais bonito. Por outro lado, a música Sabotage dos Beastie Boys, pontualmente inserida durante a catarse, rouba a cena na melhor e mais empolgante sequência do cinema 2016, até agora. Será que ainda há chance do Rock’n Roll “salvar o universo”? 

Mas como dizem os fãs da mitologia de Star Trek desde a antológica série de TV (e confesso que não me incluo nesse seleto grupo), é no conteúdo científico, no tom familiar, leve, mas não menos inteligente e ávido por exploração que o universo trakkie se interessa. Dentro desse contexto, a emocionante homenagem a Leonard Nimoy (o eterno embaixador Spock da série clássica), não só reverencia o original, mas mira o futuro demonstrando respeito ao cânone estabelecido. Aqui, o apelo comercial não tem vez, embora o sucesso de renda nas bilheterias dite se haverá ou não mais capítulos rumo à fronteira final, se é que ela existe. Por enquanto, fico na torcida por mais diários de bordo da frota estelar...

*Avaliação: 4,5 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 9,0.