"Dramédia" enfoca as complicações de um adulto: seus ressentimentos, culpas e responsabilidades.
Rafael Morais
18 de setembro de 2012.
Tomando como pano de fundo um problema aparentemente banal – uma briga entre dois adolescentes - Carnage, traduzido por aqui como O Deus da Carnificina - novo trabalho do festejado cineasta Roman Polanski (“O Escritor Fantasma”, "O Bebê de Rosemary") revela, de forma cínica e dissimulada, a hipocrisia dos adultos que fingem respeitar as regras sociais, sejam elas consuetudinárias, positivadas ou naturais em prol de uma utópica civilidade, sem, para tanto, deixar de olhar somente para o próprio umbigo. O longa-metragem é baseado no espetáculo teatral “Le Dieu du Carnage”, escrita pela francesa Yasmina Reza (que também assina o roteiro ao lado do diretor). Inclusive, a título de curiosidade, já houve algumas montagens dessa peça aqui no Brasil, e uma delas estrelada por Júlia Lemmertz, Deborah Evelyn, Paulo Betti e Orã Figueiredo.
A trama apresenta dois casais que se encontram para resolver um incidente protagonizado por seus filhos pequenos: um deles agrediu o outro em uma briga na praça. E acredite: a partir desse fato trivial, suscitarão questões das mais amplas sobre as relações humanas. A história desse quarteto, que começa com essa simples briga entre os seus filhos, termina em diálogos estressados e ironicamente divertidos, na tentativa dos pais resolverem o famigerado incidente com as crianças.
Assim, temos de um lado, os "elitizados" Allan Cowan (Christoph Waltz, “Bastardos Inglórios”), um arrogante advogado e sua esposa Nancy (Kate Winslet, “Contágio”), uma corretora de investimentos; do outro, os classe média Michael Longstreet (John C. Reilly, “Precisamos Falar Sobre o Kevin”), um vendedor de utensílios domésticos casado com Penelope (Jodie Foster, “Um Novo Despertar”), uma dona de casa que sonha em ser uma escritora.
O circo está armado a partir do momento em que os casais se encontram para conversar e "resolver" a lide. A diplomacia e cordialidade, constantes no início do embate, logo deixam de ser regras, transformando-se numa lavagem de roupa suja, à medida que as diferentes opiniões entre os personagens vêm à tona e o falso clima de harmonia se dissipa. Verdades dolorosas são ditas no transcorrer que a conversa principal - bullying – evolui para questões variadas como cultura, educação, remédios, crueldade animal e comportamento social.
O elenco está soberbo! Afiados e afinados, os atores entregam atuações irreverentes e memoráveis, ao passo que ajudam a pontuar o limite entre teatro e cinema, como estilos narrativos totalmente discrepantes que são. Apesar dessa diferenciação, a atmosfera teatral permeia o longa, muito por conta do cenário – toda a ação acontece no apartamento dos Longstreet – como também pela direção de arte, ao inserir objetos típicos e cotidianos dos personagens. Muito embora essas limitadas marcações de cena pudessem soar incômodas, isso não acontece, muito pelo contrário, funciona sobremaneira, quando ajuda a rivalizar os personagens, cada um com os seus conflitos, inseridos naquele "campo de batalha" improvisado.
Dessa forma, Carnage - O Deus da Carnificina é um grande filme, apesar dos seus modestos e bem distribuídos 80 minutos de duração. Irônico, hilário, reflexivo e controverso, o longa alfineta e critica, até não poder mais, a sociedade pseudo-civilizada que vive de
aparências. Ao final, percebemos o quão complicado e repleto de culpas e ressentimentos nós, adultos, somos.