As palavras têm o poder transformador.
Rafael Morais
04 de outubro de 2011.
Mario Ruoppolo (Massimo Troisi) é um cidadão comum de uma pequena ilha na costa italiana, filho de pescadores. Um homem tímido e simplório que vê o seu destino mudar, arrebatadoramente, depois que o grande poeta Pablo Neruda (Philippe Noiret) - então exilado político do Chile - se abriga naquele remoto e belo lugar.
O encontro dos dois acontece após Mario assumir para o seu pai que a vida de pescador não seria o seu legado, revelando, inclusive, ter alergia às embarcações. Mas essa suposta "alergia" deve ser entendida no sentido lato, uma vez que o pacato homem se inquietava diante da sua realidade e do que realmente ele era.
Diante desse quadro, surge, ao jovem italiano, a oportunidade de ser carteiro particular de Pablo Neruda. Entre cartas e correspondências, a inusitada amizade entre os dois foi se estreitando. Porém, o interesse primordial do carteiro era tornar o poeta o seu mentor e cupido a fim de conquistar o coração de uma donzela. A cena do bar é sensacional e representa bem o peso de ser amigo de um poeta como Neruda.
Com isso, está armada a carpintaria cômico-romântica que o filme propõe em seu primeiro e segundo ato. As cenas em que o carteiro descobre, aos poucos, o sentido das palavras, as metáforas da vida e o enxergar das pequenas coisas, são poéticas e tocantes. Aliás, o filme é poético até o último frame.
Perceba que o afloramento e a descoberta da poesia na vida de Mario são estimulados pelo nobre amigo, mas, sobretudo, emergem naturalmente, como o vaivém das ondas e a troca de olhares apaixonados. Os meios dialéticos - Sócrates e Platão - são a base para o amadurecimento dos personagens. Repare nos diálogos filosóficos, cujas respostas pouco acrescentam ao debate, e os questionamentos é que são imprescindíveis para o progresso dos personagens, contribuindo, sobremaneira, à fluidez narrativa da trama.
A fotografia e a trilha sonora (ganhadora do Oscar), por sua vez, são um espetáculo à parte, uma vez que conseguem retratar fielmente as belas locações e o espírito do script. A cena em que Neruda dança com a sua esposa, no meio da sala, ao som de uma inspiradora canção, é de uma beleza sem igual, tendo como testemunhas os penhascos e as montanhas ao fundo.
Ao fim, perceber a evolução de Mario durante o longa é algo grandioso, e para conseguir tal feito, o soberbo trabalho do ator Massimo Troisi foi fundamental. Do início caricaturesco ao final amadurecido, Troisi entrega um carteiro-poeta dotado de um carisma sem igual. "... a mulher dele o chama de amor!" , revela Mario ao seu amigo, depois de deixar mais uma correspondência a Neruda. Ao demonstrar consternação com esse tipo de comentário, o jovem aprendiz de poeta revela por que não tem tanta sorte com as mulheres. E não se engane com o progresso do personagem, pois, já afeito às palavras e o poder que emana delas, o mesmo "ignorante-romântico" galanteia a sua amada, dizendo: " Teu sorriso se espalha feito borboleta" . Também, com o professor que ele tinha, ficou fácil!
Sem mais sobre o filme, despeço-me com uma pequena poesia de Pablo Neruda, "pescada" em minhas navegações virtuais, até porque revelar algo a mais tiraria um pouco das surpresas reservadas pela obra cinematográfica.
Se cada dia cai
Se cada dia cai,
dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.
onde a claridade está presa.
há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.
Pablo Neruda
Trailer :
“A poesia não pertence a quem escreve, mas a quem precisa dela.”
Mario Ruoppolo