quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Disponível no Prime Video – CONTRA O TEMPO


Por Rafael Morais

Um Sci-fi que perpassa a ação, o drama e o suspense de forma sensível e convincente.

*resenha escrita em julho de 2011

Há tempos não assistia a um bom filme de ficção científica cercado por outros gêneros. E foi em Contra o Tempo que veio essa grata surpresa. 

No longa, o Capitão Stevens (Jake Gyllenhaal) acorda em um trem e se vê na pele de um homem que ele não conhece. Assim, o cara descobre que, sem seu consentimento, está fazendo parte de um experimento (antiterrorista) criado pelo governo norte-americano chamado "Código Fonte" (Source Code, título original). O programa possibilita que Stevens assuma a identidade de um outro homem em seus últimos oito minutos de vida. Assim, sua missão é encontrar os terroristas responsáveis por um atentado que deixou milhares de vítimas e, principalmente, impedir outro ataque.

Inicialmente, temos uma falsa e precipitada impressão de que toda a trama não passa de um Déjà Vu, e isso não é apenas aquele sentimento de já ter visto algo parecido antes, mas por ser bem assemelhado ao filme estrelado por Denzel Washington e dirigido por Tony Scott em 2006. Mas não se preocupem, como disse, é apenas uma pseudo impressão.    

Contudo, o filme não é tão simples quanto parece, exigindo, sobremaneira, uma atenção redobrada do espectador, uma vez que, com o passar da projeção, alguns personagens de capital importância dão o ar da graça, emaranhando, cada vez mais, a árdua missão do protagonista.

Nesse passo, somos apresentados a uma Capitã (vivida pela expressiva Vera Farmiga) que acrescenta doses de humanidade e objetividade às principais cenas. É ela que dá o briefing de cada inserção do atordoado Stevens aos últimos oito minutos naquele trem que, inevitavelmente, irá explodir. A personagem de Farmiga é essencial ao roteiro, pois traz consigo um toque de sensibilidade frente à frieza daquele experimento, tornando-a imprescindível ao desfecho da película.    

Mais uma vez Gyllenhaal encara o papel principal e não faz feio. O jovem ator se insere, paulatinamente, como um dos seletos da nova geração e isso acontece, especialmente, porque as suas atuações convencem e há uma entrega em suas atuações. Sem falar no emergente Duncan Jones (filho de David Bowie), cineasta ainda injustiçado pela pouca divulgação e distribuição do notável Lunar (ficção científica indie de 2009), filme de estreia do diretor. Agora, Jones tem nas mãos uma produção de grande porte impondo sua câmera/visão eletrizante e tensa. Oportunidade perfeita que o diretor “agarra com unhas e dentes”.  

Enfim, vale salientar que essa resenha não tem o condão de dar spoiler, até porque o seu final deixa algumas pontas soltas (talvez de forma proposital) e apenas poucas certezas, das quais não direi quais são. Mas, acima de tudo, é uma competente produção que nos prende do início ao fim, sem "pestanejar".

*Avaliação: 5,0 Pipocas + 4,0 Rapaduras = 9,0.


quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Disponível no Streaming - O QUARTO DE JACK

Por Rafael Morais

Imagine uma mãe raptada e mantida presa em cárcere privado, com o seu filho, em um cômodo que serve de quarto, banheiro, quintal e cozinha ao mesmo tempo. Pois é nesta situação que somos apresentados à sofrida vida de Joy (Brie Larson) e Jack (Jacob Tremblay). Baseado em fatos, o roteiro de Emma Donoghue (também autora do livro homônimo), aborda a visão do pequeno Jack frente à dura realidade em que vive somado à expectativa de fuga em busca do mundo novo.

Em "O Quarto de Jack", a direção de arte ganha importância no cubículo/moradia, dando vida a cada detalhe: repare nos desenhos do menino espalhados por todo canto, nas roupas estendidas e nos modestos móveis que compõem o ambiente. Tudo retrata fielmente o lugar, trazendo verossimilhança à história. Mérito também às fortes atuações de Larson e Trambley. Demonstrando uma química sem igual, os atores se entregam ao projeto sendo um dos responsáveis diretos pelo sucesso do filme nos festivais em que passou - inclusive angariando importantes indicações no Oscar daquele ano (2016).

Tremblay encarna uma carismática criança que não sabe diferenciar fantasia de realidade, uma vez que a sua ideia de mundo vem da televisão, único lazer disponível. Os seus únicos amigos são um cachorro imaginário, uma aranha e um rato. Na verdade, tudo que lhe aparece é real, sendo os demais seres e objetos partes de uma ficção: o que não está no quarto não está no mundo. Tanto é assim, que Jack encara o lado de fora como o espaço sideral, tamanha a sua distorção. Comovente ao retratar o desespero de Joy na pele de uma mãe desesperada por sobrevivência, sobretudo a de seu filho, a mulher se transforma em uma verdadeira águia protetora, e o seu sofrimento é palpável quando decide colocar um perigoso, mas, necessário, plano de fuga em ação, dando contornos de suspense ao drama.

Já a direção de Lenny Abrahamson é extremamente competente ao enfocar todos os acontecimentos sob a ótica do garotinho através de enquadramentos que remetem o seu particular universo. Captar um “ambiente microcosmo” e tornar tudo maior em escala, conferindo vida e importância, não é tarefa das mais fáceis, o que Abrahamson faz com maestria no primeiro ato do filme, para desconstruir no terceiro de maneira genial quando o enredo coloca os sobreviventes frente a frente com o quarto e revela o seu verdadeiro tamanho, que, ainda mais diminuto e ajudado pelo uso de lentes diferentes (grandes angulares) faz Jack pensar que o cenário encolheu. Mas não, a sua percepção é que se alterou diante da evolução de seu personagem.

Assim, as distorções do foco durante a presença da luz solar, além da captação de um som abafado, permitem ao espectador experimentar o que seria a sensação de um primeiro contato com estes elementos depois de anos enclausurado, e, no caso de Jack, nunca sentido antes. Neste aspecto, a fotografia remete às cores vibrantes retratadas por bombons coloridos e um vistoso café da manhã, em detrimento da paleta em tons pastel escolhida para os objetos de cena que compõem o quarto.

Além do mais, os adultos são quase sempre focados do pescoço para baixo, por meio de uma câmera oscilante, sendo reforçado pelos tensos encontros do menino com o seu algoz: o “velho Nick” (Sean Bridgers), como é chamado o homem responsável pela atrocidade de mantê-los aprisionados. E mesmo quando, inevitavelmente, há um contato visual com o rosto de algum personagem adulto, estranho à sua mãe, as lentes logo se voltam para baixo, a depender do grau de intimidade do interlocutor, como se a hesitação e o medo de Jack estivesse presente na linguagem do filme. E realmente estão.

A narrativa fica por conta do pequeno e reserva algumas das melhores cenas e falas do longa. O que dizer dos momentos em que Jack é filmado deitado no chão, olhando para cima, pela claraboia, dentro do quarto, fazendo uma interessante rima visual com outro instante em que surge na mesma posição, em contato com o encantador "lado de fora"? Sensível e tocante!

Fazendo referências filosóficas ao mito/alegoria da caverna de Platão, a película traz uma sequência em que Jack brinca com o reflexo da luz do sol que bate em sua parede, alimentando sua curiosidade, além de desvirtuar ainda mais o mundo real que lhe espera. E não é estranho perceber que, mesmo desacorrentados (isso não é spoiler, está nos trailers), mãe e filho sofrem tanto com o assédio da mídia, constantemente bombardeados por notícias, apelo e sensacionalismo, que chegam ao ponto de se pegarem saudosistas pensando no quarto, já que o lugar, apesar de remeter às lembranças horríveis, também era uma “bolha” que os resguardava de tudo de ruim que o mundo real pode oferecer.

Assim, não é à toa o pesado estresse pós-traumático vivido por Joy, enquanto que a criança consegue se adaptar mais rápido, o que não os faz escapar de tomadas fechadas, tão claustrofóbicas quanto às empregadas no quarto, cuja intenção da fotografia é continuar enclausurando os personagens, que, embora “livres”, continuam presos de formas diferentes. Obra capaz de discutir com sensibilidade a complexidade da natureza humana, “O Quarto de Jack” se impõe como uma experiência emocional e sensorial pelo prisma do ineditismo, ainda inocente, de seu carismático protagonista.

*Avaliação: 4,5 pipocas + 5 rapaduras = nota 9,5


terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Disponível na Netflix: JOHN WICK - UM NOVO DIA PARA MATAR


Por Rafael Morais

Pegue um filme do James Bond e desconstrua-o. Some a isso pitadas das fitas de Bruce Lee, adicione uma porção do estilo Jason Bourne, tudo com um forte ranço de “The Raid”. Essa é a receita para a nova e promissora franquia de John Wick. Nesta continuação, conhecemos um pouco mais da história do anti-herói, interpretado com maestria por Keanu Reeves.

Na trama, Jonatahn Wick se vê preso ao passado, devido a um laço de sangue (que eles chamam de promissória) realizado com um poderoso mafioso da “Alta Cúpula”, Santino D'Antonio (Riccardo Scarmacio). Organização esta que é mais desenvolvida neste episódio e elevada a status de nêmesis, proporcional ao protagonista bad ass.

Assim, a direção de Chad Stahelski é segura e precisa. Não há excesso de efeitos visuais, diálogos expositivos ou câmeras com firulas. O cineasta sabe filmar a ação como poucos atualmente, captando não só a coreografia da pancadaria, como também a misancene. O espectador está sempre bem situado nas sequências de luta, sabendo quem apanhou, se a arma caiu, e até mesmo quantas balas faltam para acabar o cartucho. Exemplo melhor pode ser visto durante o visceral combate entre e Wick e Cassian (o rapper Common), um inimigo à altura.

Definitivamente, os clichês de munição infinita não são bem-vindos aqui, o que dialoga com a nova geração de games de ação. Qual graça teria um “chefe de fase” se o nosso “herói” tivesse um arsenal interminável ao seu dispor? Neste sentido, o filme parece ter saído de alguma HQ ou jogo, tamanha a identidade visual e estrutura narrativa peculiar. A divisão de fases na qual a jornada de John Wick é estabelecida lembra muito um game, e dos bons, misto de “Max Payne, “Metal Gear Solid - Phantom Pain” e “Hitman”. 

A fotografia de Dan Laustsen, por sua vez, se harmoniza com a proposta da obra, entregando um deleite visual, paradoxal à brutalidade daquilo que estamos assistindo. Repare na utilização de neon, do colorido da cidade (inclusive homenageando o lendário Buster Keaton na apresentação) e na projeção à contraluz: tudo remete à bela foto de Roger Deakins em “007 - Skyfall”, ratificando a ótima referência cinematográfica dos envolvidos.

Mas se o filme funciona, Keanu Reeves tem a sua parcela no sucesso. O ator, já cinquentão, se entrega ao personagem com tamanha sinceridade que sentimos a dor do sujeito, embora as expressões lhe faltem, crítica que o perseguiu por toda a sua carreira. Contudo, representando John Wick, assim como o Neo de “Matrix”, o cara convence e muito! Mesmo com um corpo franzino, poucos diálogos (referência ao cinema mudo) e olhar ameaçador que substitui o físico, é na técnica de luta e no manuseio de armas de fogo que o protagonista triunfa. Não que o cara seja menos mortífero de posse de uma faca desamolada ou um simples lápis sem ponta.

As sequências de ação são espetaculares, muitas sem cortes aparentes, através de revezamento entre planos abertos e fechados, em que Reeves enfrenta uma horda de inimigos utilizando apenas uma pistola e o punho (arte marcial). E graças ao árduo treinamento do ator – vídeos de bastidores comprovam que ele mesmo coreografou e participou das tomadas - o longa consegue trazer verossimilhança às lutas.

Reservando momentos impagáveis, como o reencontro entre Laurence Fishburne e Keanu Reeves (Morpheus e Neo), a película sabe que está homenageando tantas outras do mesmo gênero e tem noção do tom de paródia que por vezes assume. Deste modo, como estamos lidando com o submundo, o alternativo, sociedades secretas, a liberdade com que gangues se enfrentam em qualquer lugar da cidade, seja no centro, pelos metrôs, nas ruas movimentadas ou em shoppings, sem que nenhum policial apareça, nos faz perdoar e aceitar a licença poética.

Ao final, em um desfecho empolgantemente desafiador, o filme se despede com uma deixa surpreendente para o próximo capítulo, o qual já espero ansioso.  

*Avaliação: 5,0 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 9,5.


sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Filme Natalino Obrigatório - A FELICIDADE NÃO SE COMPRA (1946)


Por Rafael Morais
A encantadora utopia de Frank Capra

É algo cada vez mais raro um filme conseguir "sobreviver" durante tanto tempo e envelhecer bem. Em tempos de "besteirois" enlatados, uma obra norte-americana como “A Felicidade Não se Compra”, nos remete à época de ouro do cinema estadunidense, tornando-a sempre bem-vinda e atemporal. 

Dono de um roteiro humanista, escrito a três mãos (Albert Hackett, Frances Goodrich e o próprio Frank Capra), o longa trata de maneira singela, e ao mesmo tempo forte, temas e conceitos humanos bem delicados como: compaixão, solidariedade, honestidade e lealdade. E apesar da produção ser de 1946, a abordagem sobre a ganância humana e a deturpação dos valores se mantém até hoje, e o pior, numa escala ainda mais alarmante. 

A história narra a trajetória de George Bailey (James Stewart, de Janela Indiscreta e Um Corpo Que Cai), um jovem que sonha em crescer na vida, estudar fora, ser um grande homem e ajudar o mundo a ser melhor. Desde pequeno, sempre fez boas ações, assim como o seu pai, como quando impediu que o farmacêutico – e também seu chefe – trocasse o remédio de uma criança por veneno, acidentalmente; além de salvar a pele de seu irmão mais novo em um acidente, vindo a perder a audição de um dos ouvidos. 

George nunca teve intenção de manter a firma de seu pai, um banco bem "diferente" dos padrões: uma instituição financeira idealizada para ajudar as pessoas que necessitavam do dinheiro para progredir, como construir suas residências, por exemplo, mas sem cobrar (e quando cobrava) os tradicionais e exorbitantes juros. O generoso homem sempre quis mais que isso, e narrativa nos apresenta diversas cenas que demonstram esse lado beneficente de George.

Assim, em um certo momento, o protagonista pensa em se suicidar saltando de uma ponte, em razão das maquinações de Henry Potter (Lionel Barrymore), o homem mais rico da região. É nesse momento que Clarence (Henry Travers), um anjo que espera há 220 anos para ganhar asas, é mandado a Terra para tentar fazer George mudar de ideia, demonstrando sua importância através de flashbacks de como seria a vida sem a existência dele. 

E é nesse ponto que o filme aproveita para pôr as cartas na mesa e apresentar os seus temas: o que é melhor, ter amigos ou se aproveitar das pessoas faturando em cima de seus sonhos? Ser leal aos seus valores ou prostituí-los? Enfim, uma coisa é certa, é bem mais fácil ser uma pessoa ruim do que boa, devido às facilidades de trilhar os caminhos errados, cheios de tentação e desprovidos de responsabilidade. 

É impressionante a forma como o genial Fank Capra consegue achar soluções inteligentes e orgânicas para os limitados efeitos especiais da época. Observe na sequência em que Deus conversa com alguns anjos para escalar qual será o escolhido para salvar o pobre George. Ao escolher Clarence, um anjo sem asas (escolha conveniente ao fugir dos CGI’s), o diretor e roteirista deixa claro que os conflitos são inerentes a todos ali, sem exceções. E isso faz com que o espectador se aproxime ainda mais dos personagens. Fantástico!

Vale fazer referência à tocante sequência em que Mary Bailey (Donna Reed) prepara uma surpresa para o seu amado, em plena lua-de-mel. Cena essa de uma sutileza e elegância sem igual. É de arrepiar!       

Em um mundo capitalista dos anos 40, pós-crise de 1929 e o início da reconstrução após a Segunda Guerra Mundial, devíamos refletir em pleno século XXI sobre o que Capra queria nos dizer naquele tempo, sobre os verdadeiros valores da vida. Vale a pena conferir essa obra-prima que se tornou o filme de Natal (fim de ano) obrigatório.

"Lembre-se que ninguém é um fracasso se tem amigos".

*Avaliação: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras