terça-feira, 31 de outubro de 2017

NOS CINEMAS - Thor: Ragnarok

Por Rafael Morais
31 de outubro de 2017

Um filme de comédia, que respeita todas as convenções do gênero, pontuado pelo som pauleira de Led Zeppelin (“Immigrant Song” cai como uma luva) nas principais cenas de ação, tudo isso contando com a presença da estonteante Cate Blanchet. Sem querer minimizar a nova produção do Marvel Studios, este resumo retrata bem a película, mas isso não quer dizer que foi uma experiência ruim. Longe disso.

A aventura da vez foca no iminente Ragnarok (apocalipse) de Asgard, enquanto Thor (Chris Hemsworth, cada vez mais à vontade no personagem) está preso do outro lado do universo, no distante planeta Sakar. Assim, o herói precisa correr contra o tempo para voltar à sua terra natal e tentar impedir o pior. Contudo, a tarefa não vai ser fácil, tendo em vista que a incumbência de destruir aquele mundo repousa nas mãos da poderosa e implacável vilã Hela (a linda e talentosa Cate Blanchett).

Baseado nesta premissa simples, o roteiro deita e rola nas piadas, sem se preocupar em aprofundar as relações, muito menos dramatizá-las. Tudo funciona a favor da diversão, embora esteja tratando, simultaneamente, da extinção de um planeta. Mas isso não incomoda, já que o tom da filmografia da Marvel nunca foi sério ou sombrio, com a exceção da trama de espionagem imprimida em “Capitão América 2: O Soldado Invernal”. Desta vez, o público não pode alegar que foi enganado pela campanha de divulgação. Cartazes extremamente coloridos, trailers bem humorados e contratação de Taika Waititi para direção: o resultado não poderia ser outro, foi entregue justamente o que se esperava.

Tecnicamente regular, o CGI (computação gráfica), em alguns momentos, não traz verossimilhança aos cenários, sendo quase palpável o chroma key (tela verde para projeção de efeitos) por detrás dos personagens. O capricho visual ficou mesmo por conta do esperado embate entre Thor e Hulk (Mark Ruffalo) na arena de gladiadores. Impecável! Os monstros gigantes também tiveram atenção especial dos efeitos digitais. A fotografia, por sua vez, parece pouco inspiradora, em que pese o 3D entender bem a profundidade de campo e oferecer perspectivas interessantes, seja na ação ou na própria ambientação, afinal de contas estamos conhecendo o novel universo de Sakar. Destaque para a vasta e saturada paleta de cores explorada, transformando a película em um arco-íris, inspirada nos traços marcantes das HQ’s do aclamado Jack Kirby, segundo especialistas na matéria.

Se “Thor: Ragnarok” acerta na apresentação de novos personagens, como o divertido Korg (expressão corporal captada pelo próprio Waititi); a jornada de redenção da Valquíria interpretada pela ótima Tessa Thompson; o Skurge/Executor de Karl Urban acaba mais interessante do que começou; sem esquecer o divertido Grão-Mestre na pele do experiente Jeff Goldblum. O mesmo não podemos dizer sobre o desenvolvimento daqueles que já conhecemos: o Loki, que já foi vilão dos Vingadores, não oferece mais ameaça alguma; o Thor parece um humorista, sugerindo que talvez possa vir a ser o alívio cômico do supergrupo; Heimdall, como sempre, desperdiça o talento de seu intérprete, Idris Elba. Já o Hulk “chutou o balde” para o seu dilema existencial, restando apenas um gigante bobo dentro do excêntrico cientista Banner. Mas há uma química entre todos eles, isso não se pode negar.

Ao final, Waititi entrega uma típica obra da Disney/Marvel, dentro da zona de conforto, sem jamais se arriscar, mas que promete agradar a todos os níveis de público. E que venha a saga “Guerra Infinita”...

 *Avaliação: 4,5 pipocas + 3,0 rapaduras = nota 7,5.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

NOS CINEMAS - Kingsman: O Círculo Dourado

Por Rafael Morais
16 de outubro de 2017

Se toda continuação, de qualquer blockbuster que se preze, segue a regra da grandiloquência, em que tudo deve ser maior e mais exagerado, então este “Kingsman: O Círculo Dourado” seguiu direitinho a cartilha.

A trama da vez gira em torno do surgimento de uma nova ameaça capaz de eliminar o Kingsman, sobrando “apenas” Eggsy (Taron Egerton) e Merlin (Mark Strong) como remanescentes. Em busca de ajuda, eles partem para os Estados Unidos à procura da Statesman, uma organização secreta de espionagem onde trabalham os agentes Tequila (Channing Tatum), Whiskey (Pedro Pascal), Champagne (Jeff Bridges) e Ginger (Halle Berry). Unidos, eles precisam enfrentar a responsável pelo ataque: Poppy (Julianne Moore), a maior traficante de drogas da atualidade, que elabora um plano mirabolante para sair do anonimato.

A boa notícia é que Matthew Vaughn voltou à direção – após o excelente capítulo antecessor – conseguindo imprimir o seu ritmo alucinante de ação em sequências de tirar o fôlego, ao ponto de a polêmica cena da igreja do primeiro ser apenas um aperitivo para o que estava por vir. Pautado na falta das leis da física, e isso não é nunca foi um problema em si, a ação prende a atenção do público, ao passo que o carisma de seus personagens também nos faz importar com o desfecho de cada um. O agende Galahad de Colin Firth volta, para o bem da franquia, demonstrando toda a força de um ator veterano e talentoso, contracenando ótimos diálogos e situações com o jovem Egerton.

A química experimentada em “Serviço Secreto” está lá, mas isso é o suficiente? Em que pese os efeitos especiais espetaculares, bem como as alucinantes perseguições de carro, o tom de autoparódia, e do uso abusivo de clichês do gênero (filmes de espionagem) podem incomodar. Carros submarinos, mulheres descartáveis que servem somente para o espião descobrir algo, elegância e glamour são apenas algumas das convenções exploradas aqui até não poder mais. Oscilando entre a comédia e a ação, não sabendo se decidir em qual lado ficar, “O Círculo Dourado” peca mesmo é na escala de sua urgência, sempre relegada ao famoso “vou ali salvar o mundo e volto já”. Sem falar no erro de casting ao escalar a doce Juliane Moore como uma vilã maquiavelicamente caricata, não nos convencendo jamais aquela maldade fabricada.

Não, o filme anda longe de ser todo ruim. A trilha sonora é bem escolhida, os enquadramentos de Vaughn são bem realizados e o resultado é uma obra divertidíssima que quase não percebemos passar suas duas horas e pouco de duração. Mas é Pedro Pascal, como o agente Whisky, que salva o longa. O novel personagem da saga confere uma rasteira complexidade à sua persona, acrescentando camadas, embora finas, a um tipo que também estava fadado ao trivial.
Ao final, resta mesmo é aquele cheirinho de produção “caça-níquel” no ar, tanto que um próximo episódio já está vindo por aí. Veremos até quando a criatividade de Hollywood consegue expandir este universo.

*Avaliação: 4,5 pipocas + 2,5 rapaduras = nota 7,0.

domingo, 8 de outubro de 2017

NOS CINEMAS - Blade Runner 2049

Por Rafael Morais
               
30 anos após os acontecimentos do primeiro longa, a Los Angeles distópica do visionário Ridley Scott continua ácida, sombria e repleta de espécimes dos mais diversos tipos. Nesta aguardada sequência do clássico cult, a direção ficou por conta do inspirado, e em ascensão, Dennis Villeneuve, enquanto que Scott cuidou da produção. E o cara não deixou a desejar. Com a difícil missão de mexer no “vespeiro” que é um filme icônico do nostálgico anos 80, Villeneuve sabia que para não cair numa "armadilha" o certo seria respeitar o que já foi realizado, expandir o universo e apresentar novos personagens. E foi exatamente isso que ele fez.

Como o próprio título diz, estamos no ano de 2049 e os replicantes da geração passada são caçados e "aposentados" compulsoriamente para dar espaço aos novos modelos. Neste contexto, conhecemos o policial K/Joe (Ryan Gosling), o novo oficial caçador de androides. Envolto numa trama típica de noir, o agente deve enfrentar uma perigosa investigação em busca da verdade por trás do mistério acerca do surgimento de uma “ossada” reveladora, durante uma side quest logo no prólogo.  

Preocupado em não estragar o mistério que rodeia o inteligente script escrito por Michael Glenn e Hampton Fancher, este texto não esmiuçará o filme, portanto, está livre de spoilers. Deste modo, importante valorizar aqui o minucioso trabalho de fotografia do mestre Roger Deakins, capaz de situar o espectador no tempo e espaço, captar a alma cyberpunk do seu antecessor e reproduzir enquadramentos contemplativos e, simultaneamente, reveladores. E o estilo gráfico de lutas e/ou diálogos em contraluz são um dos meus favoritos. Perceba também a paleta de cores utilizada que se harmoniza com a premissa: a cor laranja para ambientes tomados por radiação, o azul e vermelho neons para a cidade hightech pós-apocalíptica (blecaute, como eles chamam) e o cinza dessaturado para regiões interioranas, não menos devastadas.

E por falar em metrópole, a utilização de planos aéreos, já característica do cineasta - quem já leu algum outro texto que escrevi sobre a filmografia de Villeneuve perceberá a recorrência dessa técnica, ao tempo em que notará que sou um grande fã de suas obras – situa o espectador na atmosfera claustrofóbica de uma cidade suja e sem vida, em todos os sentidos, e refém da tecnologia, quando enclausura seus moradores em blocos de concretos que, vistos de cima, lembram compactações de lixo ou tralhas, mas que servem ali para amealhar vidas. E não é à toa o massivo emprego de holografia, como se a dura realidade não bastasse e o que era bom já passou, agora virtual, o que traz um tom de nostalgia à ambientação.

E o mérito para esse “Blade Runner 2049” funcionar, além de seu roteiro redondo, se deve também à habilidade de Villeneuve em construir o clímax, paulatinamente, sem pressa alguma, utilizando planos detalhes e longos, com poucos cortes (o que era pra tornar entediante, já que foge dos padrões de blockbuster’s hollywoodianos repleto de cortes frenéticos para facilitar o consumo expresso) imergindo o público ao ponto de não nos fazer cansar, muito menos sentir as mais de duas horas de projeção. Assim, a espetacular trilha sonora do genial Hans Zimmer acrescenta à linguagem narrativa proposta quando ganha um crescente de tensão. Notas de suspense nas entrelinhas dos agudos distorcidos; toques monofônicos de uma sociedade refém da tecnologia; distopia em forma de notas musicais graves: assim é a composição de Zimmer.

O elenco, por sua vez, também merece destaque. Harrison Ford, surpreendentemente, apresenta novas camadas ao seu velho e bom Deckard entregando uma de suas melhores performances em tempos. Ryan Gosling (K/Joe) e Ana de Armas (Joi) distribuem carisma e fazem com que nos importemos com o final do casal. Sylvia Hoeks (Luv) como a capanga de Wallace (Jared Leto em uma atuação inesperadamente contida) é performática e expressiva ao ponto de nos passar senso de perigo/urgência durante suas ações.

PENSO, LOGO EXISTO...
Blade Runner 2049 aborda conceitos de inteligência artificial e orgânica, os dois lados da mesma moeda, consegue ser visceral na sua ação, muito mais voltada para o existencialismo filosófico dos seres que se embatem, do que nos conflitos do músculo, das explosões ou da profusão de sangue. Estamos diante de um filme obrigatório não só para os fãs do gênero de ficção científica, mas para quem gosta de cinema. Uma verdadeira experiência cinematográfica que nos faz sair da sala pensando, o que já é um diferencial para a maioria das produções atuais.
*Avaliação: 5 pipocas + 5 rapaduras = nota 10,0.