Por Rafael Morais
08 de agosto de 2017
Se um filme é o retrato do seu tempo, a nova obra de Selton Mello
ratifica esta máxima. E quando falo isso, refiro-me, neste caso, a todos os
aspectos possíveis, que vão desde a fotografia, trilha sonora, passando pela
narrativa e o enredo, tudo totalmente compatível com a época.
Estamos nas Serras Gaúchas da década de 60, onde o jovem Tony
(Johnny Massaro) cresceu envolto ao amor da família composta pelo pai francês
Nicolas (Vincent Cassel) e sua mãe camponesa Sofia (Ondina Clais). Neste
contexto, também somos apresentados a Paco (Selton Mello) como um amigo da
família. Já crescido, o rapaz resolve estudar longe de sua terra natal,
retornando após dois anos, ocasião em que foi surpreendido com a notícia de que
o seu pai, inesperadamente, regressou à França. Assim, temos todos os elementos
para contar a história de “amadurecimento”, descoberta e os conflitos juvenis
do nosso protagonista.
Baseado no livro “Um Pai de Cinema” de Antonio Skármeta
(mesmo autor do fabuloso “O Carteiro e o Poeta”), “O Filme da Minha Vida” guarda
na fotografia do genial Walter Carvalho o seu trunfo. Esteticamente impecável,
a película é banhada por um sépia dourado, ressaltado por uma paleta de cores
quentes e primárias, auxiliando na narrativa proposta. A escolha de Carvalho romantiza
cada quadro contemplando a beleza da natureza, bem como da condição humana, ao
passo que flerta com o universo fantástico na escolha de certas tomadas, como
naquelas em que Tony delira no pátio da escola ao imaginar as duas belas irmãs em
situações provocantes, dividindo, simultaneamente, o seu coração e os hormônios.
Neste sentido, as personagens de Bruna Linzmeyer (Luna) e Bia
Arantes (Petra) mexem com o imaginário do garoto, cada uma de um jeito
diferente e condizente com a sua respectiva alcunha. Se por um lado a romântica
Luna (Lua) é mais meiga e ingênua, por outro a imponência de Petra (Pedra) revela
uma mulher consciente de seu potencial de sedução. Aliás, a magnífica direção
de arte consegue dar vida a cada detalhe no quarto das irmãs, acentuando, por
exemplo, os prêmios de beleza que Petra amealhou como miss (ou algo do gênero)
pelas cidades afora, e os objetos mais infantis de Luna. E é justamente aí que
mora um dos pontos fracos do roteiro. Deixando de aprofundar mais a persona de
Petra, o script se preocupa em perseguir o seu irmão caçula numa tentativa de
alívio cômico que não funciona pela repetição. O menino é chato e não tem o
timing cômico necessário para fazer piadas recorrentes de cunho sexual. Tudo
bem que as crianças daquela época não sabiam muita coisa, ou quase nada, sobre
sexo. Contudo, oferecer mais tempo de tela a um personagem superficial em
detrimento da complexidade de outro, importante para o desfecho da história,
demonstra um pecado e falta de sensibilidade.
A propósito, neste viés, por mais que haja beleza em cada take
do filme (pause a película em qualquer cena, emoldure o que está em tela e pode
afixar em qualquer parede de sua casa), o mesmo não se pode dizer da reviravolta
ou progresso das figuras dramáticas. Temos um protagonista que não consegue
superar a fuga do pai, visitando diariamente a estação de trem na ânsia de
vê-lo voltar (piegas até não poder mais) - e mesmo que o seu arco de
amadurecimento aconteça, isto ocorre de maneira forçada e repentina,
transfigurando o rapaz numa espécie de James Dean do dia pra noite; um
coadjuvante que termina o filme do mesmo jeito que começou: Paco, apesar de ser
dono de um olhar doce e fala calma (mérito para o carisma e talento de Mello), é
um sujeito sem escrúpulos e ponto; um pai de família que é pintado como herói,
sem ser; e uma femme fatale
vilanizada, quase endemonizada, por suas atitudes libidinosas naturais.
Mesmo diante desses problemas advindos de um roteiro datado,
onde várias atitudes/situações não se coadunam mais com os tempos atuais, são notáveis
as referências de Mello ao cinema de Fellini, do próprio Wes Anderson – e desde
“O Palhaço” o cara vem mandando bem - o que acaba mesmo ficando na retina do
espectador, ao final, é a transcendental fotografia de Walter Carvalho capaz de
arrebatar a obra para si.
*Avaliação: 2,5 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 7,0.