quarta-feira, 16 de agosto de 2017

NOS CINEMAS - Valerian e a Cidade dos Mil Planetas

Por Rafael Morais
16 de agosto de 2017

Valerian é uma serie francesa de HQ's e esta adaptação de "A Cidade dos Mil Planetas", desde a introdução, não nega a sua origem. A cidade Alpha, que recebe de braços abertos povos de todo universo e respeita as diferentes culturas, faz referência direta à França cosmopolita. Neste contexto, somos apresentados aos seres de Mul: indivíduos que convivem em harmonia com a natureza até a chegada repentina e violenta do homem, colocando esta espécie em extinção. Os Pearl’s, como são chamados, compõem uma civilização parecida com aquela em que vimos em Avatar, de James Cameron. Não só pelo estereótipo, já que são azuis, altos e magros, mas, principalmente, por se ajustarem organicamente ao seu meio ambiente.   

A trama, no entanto, começa a querer se desenrolar com a apresentação do casal protagonista: Valerian (Dane DeHaan) e Laureline (Cara Delevingne) são agentes que lutam em defesa da Terra e planetas aliados, além de responsáveis pela segurança do Comandante Arun Filitt (Clive Owen). Os problemas do filme iniciam com a falta de química (e carisma) entre o casal refletindo no modo prolixo com que o roteiro lida com o objetivo principal. Se perdendo no meio do caminho, os jovens se preocupam mais com as side quests (missões paralelas) do que propriamente com o que move o filme pra frente. Empurrar personagens aleatórios, sem propósito, apenas para florear e “encher linguiça” são apenas alguns dos empecilhos para desenvolver melhor a estrutura proposta, resultando em longas duas horas e vinte minutos de projeção. Assim, a cantora Rihanna surge como Bubble em uma cena performática e deslocada apenas para satisfazer o fetiche do diretor Luc Besson. 

Já no quesito visual, apesar do estranho encantamento provocado pelos inúmeros seres diferentes e coloridos que saltam em tela, o CGI é chapado ao fundo, ocasião em que a verossimilhança vai pro espaço, literalmente. Tudo grita efeitos digitais. Desde a complexidade de se construir uma praia digitalmente (água e areia são um desafio) até uma simples sala de reunião, dá pra sentir e quase tocar o chroma key ao fundo. Os efeitos não são dos melhores e isso atrapalha a narrativa.

Inventiva, a direção de arte coaduna com o gênero sci-fi ao criar, livremente, um mundo novo. Já a trilha sonora composta para o longa é óbvia ao mastigar o que vemos em tela, como no momento em que uma personagem é acertada na cabeça, troca os olhos, e cai ao chão, tudo ressaltado por arranjos “infantilescos” demais (infantil e cartunesco). Sim, o modo pastelão “sessão da tarde” (e isso não quer dizer que seja ruim) está ativado e permeia as principais cenas do filme tirando o impacto de algumas consequências.

Se a ópera espacial concebida pelo próprio Besson em “O Quinto Elemento” encontra reflexo aqui em momentos pontuais, não podemos dizer o mesmo de outras obras de ficção científica que beberam na fonte de Valerian. A saga Star Wars, por exemplo, é homenageada no filme em pelo menos uma sequência, onde Laureline solta uma das frases mais emblemáticas da franquia ao se deparar com uma situação perigosa: “eu tenho um mau pressentimento sobre isso”. Confesso que senti o mesmo quando me deparei na fila do cinema para assistir ao filme, porém, para minha felicidade, não passou de um pressentimento ruim, pois “Valerian e a Cidade dos Mil Planetas” é divertido demais para se levar tão a sério.

*Avaliação: 3,5 pipocas + 3,0 rapaduras = nota 6,5.  

terça-feira, 8 de agosto de 2017

NOS CINEMAS - O Filme da Minha Vida

Por Rafael Morais
08 de agosto de 2017

Se um filme é o retrato do seu tempo, a nova obra de Selton Mello ratifica esta máxima. E quando falo isso, refiro-me, neste caso, a todos os aspectos possíveis, que vão desde a fotografia, trilha sonora, passando pela narrativa e o enredo, tudo totalmente compatível com a época.

Estamos nas Serras Gaúchas da década de 60, onde o jovem Tony (Johnny Massaro) cresceu envolto ao amor da família composta pelo pai francês Nicolas (Vincent Cassel) e sua mãe camponesa Sofia (Ondina Clais). Neste contexto, também somos apresentados a Paco (Selton Mello) como um amigo da família. Já crescido, o rapaz resolve estudar longe de sua terra natal, retornando após dois anos, ocasião em que foi surpreendido com a notícia de que o seu pai, inesperadamente, regressou à França. Assim, temos todos os elementos para contar a história de “amadurecimento”, descoberta e os conflitos juvenis do nosso protagonista.

Baseado no livro “Um Pai de Cinema” de Antonio Skármeta (mesmo autor do fabuloso “O Carteiro e o Poeta”), “O Filme da Minha Vida” guarda na fotografia do genial Walter Carvalho o seu trunfo. Esteticamente impecável, a película é banhada por um sépia dourado, ressaltado por uma paleta de cores quentes e primárias, auxiliando na narrativa proposta. A escolha de Carvalho romantiza cada quadro contemplando a beleza da natureza, bem como da condição humana, ao passo que flerta com o universo fantástico na escolha de certas tomadas, como naquelas em que Tony delira no pátio da escola ao imaginar as duas belas irmãs em situações provocantes, dividindo, simultaneamente, o seu coração e os hormônios.

Neste sentido, as personagens de Bruna Linzmeyer (Luna) e Bia Arantes (Petra) mexem com o imaginário do garoto, cada uma de um jeito diferente e condizente com a sua respectiva alcunha. Se por um lado a romântica Luna (Lua) é mais meiga e ingênua, por outro a imponência de Petra (Pedra) revela uma mulher consciente de seu potencial de sedução. Aliás, a magnífica direção de arte consegue dar vida a cada detalhe no quarto das irmãs, acentuando, por exemplo, os prêmios de beleza que Petra amealhou como miss (ou algo do gênero) pelas cidades afora, e os objetos mais infantis de Luna. E é justamente aí que mora um dos pontos fracos do roteiro. Deixando de aprofundar mais a persona de Petra, o script se preocupa em perseguir o seu irmão caçula numa tentativa de alívio cômico que não funciona pela repetição. O menino é chato e não tem o timing cômico necessário para fazer piadas recorrentes de cunho sexual. Tudo bem que as crianças daquela época não sabiam muita coisa, ou quase nada, sobre sexo. Contudo, oferecer mais tempo de tela a um personagem superficial em detrimento da complexidade de outro, importante para o desfecho da história, demonstra um pecado e falta de sensibilidade.

A propósito, neste viés, por mais que haja beleza em cada take do filme (pause a película em qualquer cena, emoldure o que está em tela e pode afixar em qualquer parede de sua casa), o mesmo não se pode dizer da reviravolta ou progresso das figuras dramáticas. Temos um protagonista que não consegue superar a fuga do pai, visitando diariamente a estação de trem na ânsia de vê-lo voltar (piegas até não poder mais) - e mesmo que o seu arco de amadurecimento aconteça, isto ocorre de maneira forçada e repentina, transfigurando o rapaz numa espécie de James Dean do dia pra noite; um coadjuvante que termina o filme do mesmo jeito que começou: Paco, apesar de ser dono de um olhar doce e fala calma (mérito para o carisma e talento de Mello), é um sujeito sem escrúpulos e ponto; um pai de família que é pintado como herói, sem ser; e uma femme fatale vilanizada, quase endemonizada, por suas atitudes libidinosas naturais.

Mesmo diante desses problemas advindos de um roteiro datado, onde várias atitudes/situações não se coadunam mais com os tempos atuais, são notáveis as referências de Mello ao cinema de Fellini, do próprio Wes Anderson – e desde “O Palhaço” o cara vem mandando bem - o que acaba mesmo ficando na retina do espectador, ao final, é a transcendental fotografia de Walter Carvalho capaz de arrebatar a obra para si.

*Avaliação: 2,5 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 7,0. 

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

NOS CINEMAS - Planeta dos Macacos: A Guerra


Por Rafael Morais
04 de agosto de 2017]

O reboot da franquia Planeta dos Macacos iniciado em 2011 com "A Origem", passando por "O Confronto" em 2014, chegou ao fim com esse "A Guerra" de forma épica. Não pela escala do embate entre humanos e símios, como o subtítulo faz alusão, já que esta foi relegada geograficamente a uma barragem e uma ponte, locais que acontecem os principais conflitos armados, mas, sobretudo pelo contexto filosófico-existencial, e subtexto mais ainda, bem como pela maneira com que os personagens continuam sendo desenvolvidos para fora de sua zona de conforto. Ao final, todos terminam diferentes de um modo ou de outro, em relação ao início da jornada.

Neste terceiro e derradeiro capítulo, humanos e macacos cruzam os caminhos novamente. César (o fabuloso Andy Serkis) e seu grupo são forçados a entrar em uma guerra contra um exército de soldados liderados por um impiedoso coronel (Woody Harrelson). Depois que vários macacos perdem suas vidas no conflito e outros são capturados, César luta contra seus instintos e parte em busca de vingança. Diferente dos primeiros, César, líder pacifista, até então, é tomado pela cegueira da vingança, devido aos acontecimentos trágicos que acontecem logo no primeiro ato. Aliás, o encontro inicial entre ele e o coronel é anticlimático, do ponto de vista de preparação, mas, belamente fotografado.

Estamos diante de um filme preocupado com os bastidores de uma guerra que se aproxima, onde humanos e bichos, (e há alguma diferença entre eles?) não conseguem mais coexistir, tudo ressaltado pelos poderosos diálogos que auxiliam na construção dessa atmosfera cinzenta, nublada e desesperançosa, tal qual a paleta utilizada assim são também os personagens. Perceba que não há preto no branco, o maniqueísmo anda longe da franquia, enfatizado neste último capítulo. O vilão, que poderia ser uma caricatura ou imitação de Marlon Brando em Apocalipse Now - revelado pelo próprio Harrelson como uma homenagem a este ícone – acaba se tornando tridimensional ao ponto de entendermos os seus dilemas e motivações.

Com a mesma intensidade, Andy Serkis constrói um César, agora e cada vez mais articulado, capaz de lidar com as difíceis decisões dignas de um líder nato, carregando nas expressões faciais e corporais o seu trunfo. Não à toa o ator se especializou na performance/motion capture com o passar dos anos (Gollum do Senhor dos Anéis e Godzilla são alguns exemplos). Fantástico, o CGI evoluiu com a saga preenchendo a telona com tamanha realidade que deixa o espectador boquiaberto, ao tempo em que nos faz procurar onde está a computação gráfica por detrás daquele encantamento. A interação entre os macacos e os humanos soa tão orgânica ao ponto de não parecer efeito visual digital.

Não menos magnífica, a trilha sonora de Michael Giacchino oscila, harmonicamente, entre o clássico nos momentos de tensão e drama, ressaltando os tambores para os iminentes conflitos, e a diegese de acordes que lembram fitas de faroeste; passeando pelo lúdico quando o alívio cômico entra em ação. Sim, a presença do carismático e divertido macaquinho “Bad Ape”, capturado por Steve Zahn, torna a sessão um pouco mais leve, acertadamente, uma vez que a tensão e a carga dramática estão no talo.

E para não dizer que o filme é perfeito, além do anticlímax já citado, temos um terceiro ato forçado no que diz respeito à resolução do grande problema que o protagonista tinha que resolver. Utilizando-se de uma muleta no roteiro, chamada tecnicamente de “Deus Ex Machina” (situação resolvida por uma força natural ou sobrenatural capaz de por fim a um conflito quase impossível de se resolver ou que nem os roteiristas sabiam como), consegue-se uma solução das mais fáceis, narrativamente, para os idealizadores do que propriamente para o público engolir.  

Contudo, felizmente, o diretor Matt Reeves se sobressai na utilização de belíssimos enquadramentos, deslumbrantes plongée’s nas batalhas, close-ups nos rostos dos personagens, todos repletos de expressões marcadas pelo sofrimento, sem esquecer o uso da profundidade de campo para explorar os cenários (ponto para a caprichada direção de arte), demonstrando um repertório vasto para os seus trabalhos vindouros. E que venha o seu filme solo do Batman!

*Avaliação: 4,5 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 9,0.