quinta-feira, 29 de junho de 2017

NOS CINEMAS - Ao Cair da Noite

Por Rafael Morais
29 de junho de 2017

Quando a família do patriarca Paul (Joel Edgerton) se vê acuada em sua própria casa, em meio a uma densa floresta, tentando sobreviver a uma misteriosa pandemia, temos a sinopse de “Ao Cair da Noite”: nova produção do estúdio A24, o mesmo criador do excelente “A Bruxa”. 

Dirigido e roteirizado com maestria por Trey Edward Shults, este thriller psicológico está mais preocupado com a narrativa voltada para a tensão entre os personagens do que propriamente com o grafismo das cenas, muito menos com a apresentação de um “monstro” para satisfazer uma plateia sedenta. Portanto, se você gosta de jump scares gratuitos (aqueles sustos que te fazem pular), aqui não é o seu lugar. Na verdade, ao invés destes pulos, o longa vai te deixar na ponta da cadeira tamanho o clima de inquietação que a película desenvolve, de maneira crescente, no decorrer da trama. Desta forma, a obra também não é recomendável ao tipo de público que espera reviravoltas, explicações e resoluções para os conflitos propostos. Ponto negativo para o marketing do filme que tenta vender - através de trailers e material de campanha - um terror convencional, dado o aparente clichê de sua premissa, mas que em contrapartida acaba entregando um excepcional suspense. 

Voltando à família enclausurada, além de Paul (um sujeito paranoico, metódico e extremamente protetor), temos o seu filho Travis (Kelvin Harrison Jr.), um jovem de 17 anos que está perdendo a melhor fase de sua vida enfurnado em um local que não pode sair; além de sua mãe Sarah (Carmen Ejogo), uma mulher que contrapõe com carinho o jeitão rústico do marido, mas que pode esconder uma frieza na tomada de decisões nos momentos mais delicados. Assim, temos o cenário “ideal” para os acontecimentos que levarão ao clímax, sendo a chegada de uma nova família o estopim dos conflitos. Mostrando a dificuldade de convivência em grupo, cada um com o seu pensamento, modo e costume, Edward Shults deslancha a película na chegada de Will (Christopher Abbott), sua esposa Kim (Riley Keough) e Andrew (Griffin Robert Faulkner), o filhinho do casal. 

Neste panorama, contando com um subvilão silencioso e invisível, os protagonistas, cercados de desesperança e desconfiança no próximo, terão que lidar com situações extremas para se manterem vivos. Estamos numa distopia pós-apocalíptica onde um vírus letal corrói o ser humano, sendo este o principal medo dos que ainda sobrevivem. Repare nos pesadelos de Travis que permeiam o filme. Todos dizem respeito aos seus principais temores, o que acaba causando uma incrível rima visual com o desfecho. Notável também a concepção dos ambientes fechados, escuros e sem vida, servindo para aumentar a sensação de claustrofobia. Não menos harmoniosas, as câmeras do jovem diretor sempre transitam lentamente dentro da casa, abusando dos close-ups para encarcerar ainda mais aquelas pessoas. 

A fotografia de Drew Daniels, por sua vez, é carregada no dark, nas sombras e no breu completo, demonstrando não só o estado de espírito dos seres ali representados, como o ambiente sem vida e desolador em que vivem. Tenebroso! Perceba que em contraponto à escuridão que banha o lugar, surge uma destoante porta pintada em vermelho - o único meio de entrada e saída da residência - cor esta que denota urgência/perigo com o que pode estar por detrás ou a partir dela. 

Habilidoso ao oferecer diversas leituras/interpretações, sem amarrar pontas soltas, este “Ao Cair da Noite” se revela como um eficiente estudo de narrativa se destacando de diversas produções com a mesma temática – e a maioria delas peca pela megalomania - dentro de um microcosmo, em pequena escala, sem grandes ambições. Ao final, saímos da sala de cinema com a sensação de angústia e desnorteamento ao constatar que da porta vermelha pra dentro (simbologia em forma de autoanálise) é que mora o real perigo, o inerente à natureza humana.

* Avaliação: 4,5 pipocas + 5,0 rapaduras = nota 9,5.           

terça-feira, 6 de junho de 2017

DOCUMENTÁRIO - Conheça o maior documentarista brasileiro: Eduardo Coutinho.

Por Rafael Morais
06 de junho de 2017

Quando Eduardo Coutinho faleceu em 02 de fevereiro de 2014, o Cinema Nacional perdia o seu maior documentarista. Obras emblemáticas como "Cabra Marcado Para Morrer" e "Edifício Master", entre tantas outras, fazem parte do legado deixado pelo genial cineasta.

Neste post, apresento, a quem ainda não teve o prazer de conhecer, alguns links com os melhores documentários dirigidos, "roteirizados" e comandados pelo mestre Coutinho. Inspiradores, estes longas nos remetem à condição da natureza humana, na sua mais profunda camada, onde os protagonistas são pessoas "comuns", como qualquer um dia nós. O quão espetacular pode ser pegar uma câmera, apertar o REC e gravar uma boa história de um ilustre desconhecido?! Para Coutinho, o ato de ser ouvido é uma das mais profundas necessidades de um ser humano, pois, ser ouvido é ser legitimado. E durante uma de suas últimas entrevistas concedidas, ele lança uma questão: "Quem, hoje em dia, está preocupado em legitimar o outro? Cada um está preocupado em se legitimar".

Portanto, baseado neste conceito, seguem alguns links abaixo para que você "ouça" o que estes personagens do dia a dia têm a dizer, assistindo, na íntegrae se emocionando com algumas obras do mestre, assim como sempre acontece comigo ao revê-las.

Cabra Marcado Para Morrer (1984)
Centrado na vida do líder camponês João Pedro Teixeira, morto em 1962, o trabalho busca remontar o universo em torno do personagem com base no depoimento de pessoas que atuaram ao lado de Teixeira. Iniciado em 1964, porém interrompido por conta do Golpe Militar, o registro seria concluído somente na década de 1980.


Edifício Master (2002)
Considerada a obra-prima do documentarista, Edifício Master usa de histórias simples dos moradores de um edifício no Rio de Janeiro como a base para a condução das imagens. Durante a produção do documentário – gravado ao longo de três semanas -, Coutinho e sua equipe se mudaram para o prédio, mergulhando de vez no cotidiano dos moradores.


Babilônia 2000 (2000)
Filmado na virada dos anos 2000, o documentário retrata a vida dos moradores do Morro da Babilônia, no Rio de Janeiro, e suas expectativas para o novo ano que estava chegando. Filmado ao longo de 12 horas, o trabalho reforça os preparativos, sonhos e desilusões do moradores antes do reveillon.




Boca de Lixo (1993)
A rotina dos catadores que sobrevivem recolhendo dejetos no lixão de Itaoca, em São Gonçalo, Rio de Janeiro.



Jogo de Cena (2007)
De um lado, o documentário, expresso pelas histórias e depoimentos de mulheres selecionadas para a película. No outro oposto, a atuação, reforçado por atrizes como Marília Pêra e Fernanda Torres, convidadas para reviver as histórias de cada uma das entrevistadas. Uma obra em que o ficcional e a realidade se misturam no palco montado por Coutinho.



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segunda-feira, 5 de junho de 2017

NOS CINEMAS - Mulher-Maravilha

Por Rafael Morais
05 de junho de 2017

A filmografia da DC/Warner nos cinemas é repleta de altos e baixos. Mais ladeira do que subida é bem verdade. Se por um lado temos a excepcional trilogia "The Dark Knight", pela perspectiva de Christopher Nolan, de outro vimos uma sucessão de erros que vão desde "Lanterna Verde" chegando ao ápice da ruindade com o "Esquadrão Suicida". Tentando restabelecer um novo universo dos heróis, com o fim de reuni-los na vindoura “Liga da Justiça”, os produtores trataram de “rebootar” o Homem de Aço e o Homem-Morcego, inclusive colocando-os frente a frente. Dividindo público e crítica, este embate comandado por Zach Snyder introduziu todos os membros da Liga, inclusive a Mulher-Maravilha (Gal Gadot).

E assim chegamos à história de Diana Prince: guerreira amazona que sai da sua zona de conforto (a belíssima Themyscira) e ganha o mundo, em plena Primeira Guerra, após a inesperada aparição de Steve Trevor (Chris Pine), espião e piloto aliado da Tríplice Entente. Dono de um primeiro ato irretocável, o filme apresenta a origem da sua protagonista, numa típica jornada da heroína, caprichando na ambientação ao entregar um deslumbre visual da Ilha Themyscira. Lindas artes sacras, meio no estilo barroco, preenchem a telona para narrar a mitologia de Zeus, Ares e toda a divindade por trás das Amazonas. É de encher os olhos todo aquele verde intenso, natureza virgem e águas cristalinas que banham o local. Um verdadeiro paraíso devassado com a chegada dos homens, e com eles: a guerra. Neste contexto, a bela fotografia de Matthew Jensen aposta numa paleta de cores quentes, saturada em momentos harmônico-familiares, fazendo contraponto ao dessaturado, predominando os tons pastel, frio, por vezes azulado, ao mostrar os horrores da guerra. Inteligente, o roteiro de Allan Heinberg e Geoff Johns estabelece o conflito da protagonista, bem como de todos os coadjuvantes ao seu redor, fazendo o público se importar com o futuro de cada um.

Entretanto, apesar de achar o tom certo do filme, sem pesar a mão no sombrio e realista, o humor extravasa na quantidade de alívio cômico. Como se não bastasse a figura da secretária de Trevor fazendo graça sempre que surge em tela, a trupe formada pelos amigos do piloto também encaixa piadas em cada fala, gesto ou expressões. Gags explodem de todo lado. Talvez esta leveza se deva por conta da exigência dos produtores e financiadores que injetaram grana no projeto e buscavam um resultado diferente dos últimos, quem sabe mais próximo da concorrente Marvel/Disney. Mas, felizmente, isso não faz a obra perder a identidade, pelo contrário, até ajuda a imprimir o tom aventuresco, auxiliado também pela química entre Gadot e Pine. E os excelentes diálogos entre estes dois, no início do segundo ato, divertem o público adulto, ao passo que aprofundam os personagens sem denegrir as origens da heroína. O misto de inocência, divindade e altivez oscilam na caracterização da personalidade de Diana. Definitivamente, o empoderamento feminino está bem representado na cultura pop.

Contudo, o desenrolar deste segundo ato incha a duração do filme ao burocratizar o envio da tropa ao front de batalha. Mas nada que não esqueçamos quando a heroína cai na porrada. Neste sentido, todas as cenas de ação são empolgantes, mesmo que abusando do slow motion. Sim, a cineasta Patty Jenkins sofreu forte influência de Snyder neste tocante. No que pese ser um efeito cansativo, o excesso de câmera lenta não compromete o resultado estético final, apenas ajuda a diretora a coreografar melhor as lutas e situar o espectador em cada golpe.

Quanto à evocativa trilha sonora, rica em acordes clássicos, apoteóticos, que remete à glória de um povo, à inevitável batalha que se aproxima, o destaque fica por conta da música-tema. Composto por um solo de guitarra distorcido, com pegada heavy metal que arrepia, o tema entra na hora certa equalizando as melhores sequências da protagonista.

Fechando o arco, o derradeiro ato vai dividir opiniões, assim como aconteceu em “Batman Vs Superman”, pois peca pelo excesso. Novos acertos, velhos erros? Mas o fato é que este "Mulher-Maravilha" triunfa sobre o marasmo, empolga, diverte e se faz necessário nos dias atuais.

*Avaliação: 4,5 rapaduras + 4,5 pipocas = nota 9,0.