Por Rafael Morais
21 de maio de 2017
Quando Rose, (a surpreendente Allison Williams)
uma mulher caucasiana que resolve levar o seu namorado negro, Chris, para
conhecer a família num final de semana em uma casa de campo - e não estou me
referindo à sinopse de "Entrando Numa Fria", apesar de o protagonista
estar, de fato, enrascado - temos a premissa, aparentemente rasa, de
"Corra!". Nesse contexto, o Chris vivido pelo carismático ator Daniel
Kaluuya
(“Black Mirror” e “Sicario: Terra de Ninguém”) é um sujeito atormentado por um
trauma do passado, o qual descobriremos aos poucos durante esta maldita
estadia. Perturbação esta que faz diversas rimas visuais no decorrer da
projeção, indo desde um incidente que ocorre durante a viagem do protagonista à
fazenda, até a conclusão da obra. Logo, é bem verdade que o filme fala sobre
traumas, de diversos tipos. Neste ponto, aplausos para a magnífica direção de
arte que insere os elementos/objetos de cena capazes de situar o espectador naquele
inquietante universo.
Repleto de suspense, horror psicológico e muito
humor, com pitadas de gore na medida, "Corra!" reserva um plot twist
(reviravolta) digno das fitas de Shyamalan - por isso não me estenderei tanto
nos comentários para evitar o temível spoiler - lembrando também cineastas do
porte de Hitchcok e Tarantino. Isso poderia até ser uma exagero de minha parte
se não fossem as escolhas de Jordan Peele nos enquadramentos de câmera, na condução
do suspense, nas escolhas das músicas, trilha sonora (o violino distorcido está
lá), figurino e no uso da violência gráfica, bem como no contraste da paleta de
cores, tudo representado pelo magistral plano-sequência no prólogo.
Desta forma, Peele - comediante por excelência e
cineasta iniciante - deita e rola na utilização do humor como artifício para
relaxar o público e pegá-lo de surpresa, “de calças curtas”, em momentos
pontuais. Aliás, o personagem Rod (Lil
Rel Howery),
amigo de Chris, reserva as melhores cenas de comédia da projeção, sendo,
verdadeiramente, um alívio cômico. Os diálogos humorísticos, por sinal, são
muito bem escritos por Peele, também roteirista. Tanto é assim, que ao invés de
nos tirar do crescente clima de tensão, o humor traz uma ferramenta de linguagem
apropriada à história, explorando a origem histórica das encenações, na qual a
tragédia e a comédia andam lado a lado. Portanto, seria cômico, se não fosse
trágico, o misterioso objetivo da família na visita de Chris, a vítima da vez.
Igualmente interessante, o elenco se sobressai com atuações críveis e expressões
marcantes, que vão do blasé ao ódio num piscar de olhos, literalmente.
No entanto, para não dizer que é perfeita, a
película peca na rapidez e facilidade com que o conflito final é resolvido, dando
a impressão que o segundo ato comprimiu o desfecho, tamanha a pressa em resolver
o problema apresentado.
Lembrando obras como “A Chave Mestra” e “O Albergue”, aqui e
acolá, este “Get Out” vai além quando o quesito é o enredo/pano de fundo, pois,
muito mais do que falar sobre hipnose ou explorar o sadismo através do torture
porn, o filme aborda a alienação humana, num discurso social, frente ao
diferente, comentando o preconceito racial disparado em cada gesto ou frase,
mesmo que não direto, quase sempre indireto, machucando a vítima com a mesma
intensidade. Desde já, um dos melhores filmes de 2017. Então, CORRA para os
cinemas!
*Avaliação: 5,0
pipocas + 4,5 rapaduras = nota 9,5.