terça-feira, 28 de março de 2017

NOS CINEMAS - Fragmentado

Por Rafael Morais
28 de março de 2017

Um homem rapta três garotas e as leva a um cativeiro, onde descobriremos quais as suas verdadeiras intenções. Esta premissa de “Fragmentado” seria idêntica a tantas outras caso quem estivesse por trás de sua idealização não fosse o cineasta M. Night Shyamalan. Diretor e roteirista, o indiano surpreendeu o público, no final da década de 90, com “O Sexto Sentido” entregando um dos plot twist (reviravolta) mais memoráveis do Cinema atual. Aliás, a expectativa gerada em cima da sua carreira, após o sucesso estrondoso, acabou deixando-o refém do próprio estilo: o final de cada filme teria que vir acompanhado de uma virada espetacular. Taxado por parte da crítica como o novo Hitchcok (não apenas por fazer uma ponta no filme), e amado pelo público sedento por surpresas - que adora ser enganado, no bom sentido - o cineasta se viu no comando de filmes medíocres como “O Último Mestre do Ar” e “Depois da Terra”, por exemplo, sendo este último encomendado por Will Smith no intuito de promover o seu filho. Enquanto artista autoral, Shyamalan é consciente do Cinema que pretende realizar, porém, se perdeu entre uma produção e outra, graças à tentação ($$$) de Hollywood.

Dito isto, “A Visita” iniciou a parceria com a Blumhouse (selo independente ligado a filmes de terror/horror), ocasião em que o indiano ensaiou um retorno, esperado com ansiedade pelos fãs, trazendo fôlego à sua cambaleante filmografia. Aqui em “Fragmentado”, por sua vez, o roteiro é auxiliado pela magnífica atuação de James McAvoy. Inspirado, o ator interpreta um sujeito perturbado, diagnosticado com TDI (Transtorno Dissociativo de Identidade), passando a desenvolver 23 personalidades distintas, das quais 6 ou 7 são melhores abordadas durante o filme. E é justamente Dennis, uma de suas personas, responsável pelo sequestro das meninas, bem como por toda a arquitetura do plano, que causa o estopim no interior do vilão/protagonista. A batalha introspectiva entre os diversos tipos que residem na caixola do sujeito é admirável graças à composição de McAvoy, dotado de expressões físicas e corporais. Representar, na mesma tomada e sem cortes aparentes, uma transição de uma criança de 09 anos de idade, frágil e vacilante, para um adulto com mania de limpeza, forte e seguro, passando por uma mulher maquiavélica, tudo dentro do mesmo ser, quase simultaneamente, é algo fantástico que só um ator multifacetado consegue fazer. Deste modo, repare como o intérprete se utiliza de uma simples peça de figurino, o cachecol, para entregar nuances distintas para cada personalidade coexistente. Quando levanta o objeto e desfere um olhar de vaidade, acompanhado de um sorriso e voz suave, temos uma figura feminina; ao passo que quando se cobre com a mesma peça e entrega um ar de medo, insegurança, temos Kevin, o verdadeiro “paciente zero”.

Mérito também para a direção de arte na concepção do ambiente em que as vítimas estão confinadas. Claustrofóbico, o lugar guarda nos detalhes um pouco da identidade de cada persona. Destaque também para a jovem atriz Anya Taylor-Joy (sucesso em “A Bruxa”), na pele de Casey. Personagem feminina inteligente, com atitudes dignas de quebrar convenções do gênero, tendo apenas o seu desenvolvimento prejudicado por conta de flashbacks deslocados que trazem a sua versão infantil passando por traumas de abusos, representada por uma atriz mirim, que não se parece em nada com o seu biotipo na fase adulta, o que acaba nos tirando um pouco do filme, além de quebrar o ritmo da narrativa, essencial no suspense.

Terror psicológico de primeira, “Fragmentado” se revela um interessante estudo de personagens quando se volta para o confinamento no intuito de observar a complexidade do ser humano. Daí a explicação para os enquadramentos fechados nos rostos, desfocando o que estiver ao fundo, ou nas laterais. As facetas são o que importa para a ideia funcionar, e funciona! 

Assim, com um desfecho genial que interliga o universo “shayamalaniano” – a Marvel está fazendo escola – temos uma obra voltada para o nascimento de um poderoso monstro, numa espécie de jornada do vilão, contrapondo, sincronicamente, com outro filme do cineasta, o qual não entrarei em detalhes para evitar spoiler.

*Avaliação: 4,0 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 8,5.     


segunda-feira, 13 de março de 2017

NOS CINEMAS - Kong: A Ilha da Caveira

Por Rafael Morais
13 de março de 2017

Parece que a Legendary, em parceria com a Warner Bros, pegou o jeito em rodar filmes de monstros, vide “Círculo de Fogo” (Pacific Rim) e o último “Godzilla”, por exemplo. Mas o fato é que ambas se uniram para mesclar o universo do gorilão com o lagartão atômico, interligados pela mesma empresa fictícia “Monarch”, que já aparece durante estes longas.

Em “Kong: A Ilha da Caveira”, acompanhamos uma expedição a tal ilha remota, localizada em algum lugar do Pacífico Sul, na qual Bill Randa (John Goodman) busca atestar a existência de animais gigantes. A trupe também é formada pelo coronel Preston Packard (Samuel L. Jackson), o rastreador James Conrad (Tom Hiddleston) e a fotógrafa Mason Weaver (Brie Larson). Visualmente incrível, os efeitos especiais se harmonizam com a inspirada fotografia solar de Larry Fong, remetendo a obras como “Apocalypse Now”. E esta comparação não se restringe apenas ao campo estético, além disso, há uma tentativa do fraco roteiro em abordar, superficialmente, a questão da loucura do militar diante da guerra, algo batido em fitas de guerra.

Dono de um primeiro ato irretocável, o filme estabelece a missão com precisão, embora os seus personagens careçam de complexidade. Os estereótipos do gênero estão lá, descaradamente, e isso não quer dizer algo pejorativo, necessariamente, já que a obra tem consciência de sua limitação enquanto temática B, no bom sentido. Desta forma, o jovem diretor Jordan Vogt-Roberts jamais tenta ser o que não é - Copolla é apenas uma inspiração – inserindo a diversão acima de tudo. Blockbuster de primeira, “Kong: A Ilha da Caveira” ganha mesmo o espectador é nas aparições e sequências de ação do protagonista-título. E o Rei Kong nunca esteve tão imponente. Seja pelo tamanho - evidenciado no formato IMAX - ou pelas habilidades de luta, o primata gigante apresenta evolução até na utilização de armas brancas.

Roubando a cena do elenco, que contava com Nick Fury, Loki e Capitã Marvel, ops, Jackson, Hiddleston e Larson, o modesto Shea Whigham vive Cole: um soldado carismático, alívio cômico, que guarda a melhor cena de anticatarse da projeção. Já àquelas que ficam guardadas na retina do público repousam sobre os takes de King Kong. Toda vez que o gigante surge em cena – desde o espetacular combate com os helicópteros a uma degustação de polvo – o deslumbre toma conta da sala de cinema tamanha a imponência e detalhes técnicos na composição do protagonista. Neste contexto, o antagonista de Kong não se limita apenas ao ser humano, ambicioso por natureza. Outros monstros enormes vivem na ilha, tendo como um dos piores predadores um lagarto, meio crocodilo, escroto que mora nas profundezas do lugar. Assim, a referência à “Jurassic Park” grita na tela, já que o bicho/vilão se parece demais com aqueles que Spielberg apresentou há 24 anos, misto de Velociraptor e T-Rex. Outra semelhança com o Parque é a própria Ilha da Caveira. Cada local apresenta um ser diferente, onde os sobreviventes passam a conhecer a fauna e a flora em que estão envolvidos. Pena que Conrad não chega aos pés de Alan Grant, graças ao carisma de Sam Neil. 

Aliás, falta ritmo e tom nas personas do herói e da mocinha. Totalmente descartáveis, o aventureiro e a fotógrafa poderiam ser totalmente limados do final cut sem prejuízo algum para o desenvolvimento da história. Ponto negativo para o raso script.
Contudo, não podemos dizer o mesmo da magnífica trilha sonora escolhida, passando por Black Sabbath, David Bowie e Led Zeppelin. Um show à parte!

Com a cena pós-crédito, temos a certeza que o crossover entre este universo de criaturas fantásticas, proposto pelos estúdios, continuará a ser explorado, o que é ótimo. Porém, gostaria que nos próximos capítulos focassem mais nos monstros do que nos humanos, evitando o desperdício de um ótimo elenco com diálogos rasos e personagens acéfalos.

*Avaliação: 5 pipocas + 2,5 rapaduras = nota 7,5.  

sábado, 4 de março de 2017

NOS CINEMAS - Logan

Por Rafael Morais
04 de março de 2017

Até que enfim uma das figuras mais queridas da cultura pop ganha uma adaptação à sua altura. “Logan” representa a digna despedida de Hugh Jackman da persona que representa há 17 anos, bem como traz frescor aos filmes de super-herói através de uma história concentrada no minimalismo. Depois do fraco “Wolverine Origens” e do mediano “Imortal”, a Fox resolveu apostar as fichas numa versão realista e sombria, focando no lado humano do mito, no estudo de personagens, a começar pelo próprio título. E deu muito certo!

Inserido num universo em que os mutantes não nascem há mais de 25 anos – lembrando “Filhos da Esperança” de Alfonso Cuarón – o cansado Logan trabalha como motorista de limousine para ganhar a vida, ajudando a cuidar do agora idoso e adoentado Charles Xavier (o genial Patrick Stewart). Assim, o 1º ato é dedicado a narrar o cotidiano do protagonista, inserindo o espectador naquele ambiente desesperançoso e hostil. Todos os elementos de cena reforçam esta ideia de desilusão que o longa propõe. Repare o local onde o prostrado Xavier vive, ou melhor: passa o tempo. Se antes o líder dos X-Men tinha a tecnologia ao seu favor, como o “cérebro” gigante e a famosa escola para tomar conta, por exemplo, agora lhe resta as ruínas de uma fábrica, dentro de um tonel desativado para chamar de lar, onde espera a morte chegar.

A fotografia solar também sinaliza o clima árido da região desértica de El Paso, transpirando poeira na tela. O olhar sempre amargurado, banhado em vermelho, o caminhar vacilante, mancando do início ao fim, a barba gigante e as diversas cicatrizes de Logan contribuem para a composição perfeita do caos. Ponto também para a maquiagem, figurino e direção de arte.

Mas tudo muda com a aparição de Laura (a espetacular Dafne Keen), uma garotinha que precisa de ajuda após fugir de uma organização paramilitar. Os “carniceiros”, capangas da vez, estão por todos os lados atrás da fugitiva e não poupam quem estiver no caminho. Contudo, o roteiro de James Mangold (também diretor), Michael Green e Scott Frank não explora os membros mecânicos dos inimigos como deveria, já que todos tem alguma parte do corpo formada por exoesqueleto. Tal artifício não serve aqui como arma ou empecilho nos combates. Perceba o líder Donald Pierce (vivido por Boyd Holbrook), o sujeito tem um braço de armadura biônica e nunca o utiliza para esmagar um crânio sequer. Potencial desperdiçado que poderia dar um ar de urgência ou perigo.

Entretanto, com a chegada de Laura, Xavier e Logan saem da zona de conforto e enfrentam um road movie com o objetivo de ajudar a criança. Os principais momentos do filme, fora as sensacionais sequências de ação, ficam por conta do relacionamento do trio. Os diálogos nas viagens de carro, entre outros momentos, só acrescentam à história. Comovente, a relação avô-pai-filho-neta, mesmo que disfuncional, conquista o espectador segurando toda a narrativa. O arco do herói, agora com pretensões humildes, tem nos valores da família a sua principal catarse. Sensível, e juro que não esperava mencionar esse adjetivo para esse gênero de filme, “Logan” busca um meio termo entre blockbuster e alternativo ao tratar sobres temas tão espinhosos como o envelhecimento e a morte. 

Gore, a película não deixa barato o corte das afiadas garras de adamantium fazendo jorrar sangue por todos os lados. A selvageria toma conta dos combates, o que não poderia ser diferente, uma vez que Wolverine é animalesco por excelência! A violência, nem sempre gráfica, remete a filme como “Kick Ass”, quando a Hit-Girl, X-23 aqui, chuta bundas de adultos espalhando um rastro de morte por onde passa.

Pecando ao inchar o final do 2º ato, a duração poderia facilmente se encaixar em duas horas, cortando, na montagem, esses vinte minutos a mais. Mas isso não tira o mérito do resultado final, absolutamente! De tal modo que este “Logan” está para a franquia cinematográfica dos “X-Men”, assim como “O Cavaleiro das Trevas” está para o Batman, parafraseando alguém que li esses dias na internet.

*avaliação: 5 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 9,5.