terça-feira, 22 de março de 2016

NOS CINEMAS: Zootopia

Por Rafael Morais

A Disney continua inspirada após os sucessos de “Frozen” e “Operação Big Hero”. “Zootopia” significa mais um acerto na filmografia do estúdio, quando aposta em temas relevantes como a complexidade da natureza, através de metáforas com a realidade humana. Muito do mérito se deve ao talento do produtor executivo John Lasseter, responsável por obras consagradas como a trilogia “Toy Story”, por exemplo. 

Partindo de um subtexto que grita ensinamentos de autoajuda (do tipo que Paulo Coelho se sentiria em casa, não só pela temática, mas, principalmente pelo seu sobrenome rsrsrs), a animação foge do lugar comum durante o desenvolvimento de seus atos, sobretudo no 2º, demonstrando a sagacidade do roteiro escrito a quatro mãos por Byron Howard e Jared Bush, no que pese o epílogo querer se entregar ao trivial. 

A trama gira em torno de Judy Hopps (na voz irreconhecível de Monica Iozzi): uma carismática coelhinha advinda de uma fazenda isolada, filha de agricultores, que possui uma extensa família, como já era de se esperar. E o painel com o número de habitantes, que só aumenta, desta cidadezinha dos coelhos, evidencia o tom acertado do humor. Mas Judy tem sonhos maiores, em contraponto ao seu tamanho: pretende se mudar para a metrópole, denominada Zootopia, onde todas as espécies de animais convivem em harmonia, na intenção de se tornar a primeira coelha policial. Lá, a protagonista passa a enfrentar o preconceito e as manipulações dos outros animais, mas conta com a ajuda inesperada da raposa Nick Wilde (voz de Rodrigo Lombardi), conhecida por suas malandragens infracionais. A inesperada dupla se dedica à busca de uma lontra desaparecida, descobrindo, pouco a pouco, uma conspiração que afeta toda a cidade. 

Assim, uma típica heroína, altruísta e dedicada se vê às voltas com um anti-herói, egoísta ao extremo: e a química entre esses improváveis personagens acontece. Utopia, no dicionário, é a ideia de civilização ideal, fantástica, imaginária. E como o próprio nome do filme já diz, o espectador é apresentado a um ideal, não demorando a surgir o conflito: alguns animais estão sumindo, principalmente mamíferos (e os humanos são o que mesmo?), atrelado a um descontrole que aflora o extinto mais primitivo adormecido. Referências e críticas à nossa sociedade (“bem-vindo à selva urbana”, diz o cartaz americano), seja pelo prisma social, político ou comportamental, estão estampadas, reservando momentos hilários como a representação do DETRAN, rendendo uma das melhores sequências de comédia do longa. Confesso que tive uma crise de risos tamanha, capaz de me tirar do filme por alguns minutos, ocasião em que limpei os óculos 3D e me recompus, como um adulto que sou, ou penso que sou rsrsrs. 

E por falar nisso, o filme brinca com os estereótipos até não poder mais, passando mensagens de otimismo, ao passo que desincentiva o preconceito. Abordagens sobre o nocivo bullying surgem contemporâneas e dialogam com o novel público. Tudo ajudado por uma linda fotografia que transporta a plateia para aquele mundo fantástico, por meio do uso inteligente das cores: se temos um primeiro ato entregue ao colorido, ao lúdico, na apresentação da cidade e seus adoráveis moradores; em um segundo momento, durante a investigação, o universo ganha ares de uma fita policial, já que o filme é banhado por uma paleta sombria, remetendo ao submundo, ocasião em que somos apresentados a personagens marginais. 

Neste sentido, a animação ganha fôlego ao fugir das convenções do gênero, entregando um clima quase noir ao piscar para o espectador mais velho: sim, esse filme é para você também! O mistério por trás da investigação é bem arquitetado, auxiliado pela montagem dinâmica, que explora os cortes de maneira orgânica, deixando o público na ponta da cadeira dado o clima de suspense empregado. Contando com um design de produção engenhoso, tecnicamente temos uma produção extremamente criativa ao ponto de criar a engenharia da cidade adaptada para cada espécie: o meio de transporte dos hamster’s então, nem se fala. 

Dirigido com inventividade por Byron HowardRich Moore, “Zootopia” não consegue manter o nível do extraordinário segundo ato até o fim, quando cai em um desfecho piegas (e o discurso da coelhinha “mastiga” tudo que foi visto durante sua trajetória), além de soar corrido, sendo facilmente resolvido, já que o sumiço dos bichos parecia complexo demais para ser solucionado de forma tão simplória. Somado a isso, temos um personagem pouco explorado, o comparsa da raposa Nick, que faz falta em vários momentos, onde se espera, desde já, que seja mais utilizado em uma provável sequência. 

Entretanto, felizmente, Zootopia supera essas pequenas adversidades. Os seus realizadores alegram os corações cinéfilos ao fazerem referências do naipe de “O Poderoso Chefão” e “Breaking Bad”. Homenagens que entregam de onde vem tamanho bom gosto.

*Avaliação: 4,5 pipocas + 4,0 rapaduras = nota 8,5


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