Por Rafael Morais
A Disney continua
inspirada após os sucessos de “Frozen” e “Operação Big Hero”. “Zootopia”
significa mais um acerto na filmografia do estúdio, quando aposta em temas
relevantes como a complexidade da natureza, através de metáforas com a
realidade humana. Muito do mérito se deve ao talento do produtor executivo John
Lasseter, responsável por obras consagradas como a trilogia “Toy Story”, por
exemplo.
Partindo de um subtexto que grita ensinamentos de autoajuda (do tipo
que Paulo Coelho se sentiria em casa, não só pela temática, mas, principalmente
pelo seu sobrenome rsrsrs), a animação foge do lugar comum durante o
desenvolvimento de seus atos, sobretudo no 2º, demonstrando a sagacidade do
roteiro escrito a quatro mãos por Byron Howard e Jared Bush, no que pese o epílogo
querer se entregar ao trivial.
A trama gira em torno de Judy Hopps
(na voz irreconhecível de Monica Iozzi): uma carismática coelhinha advinda de
uma fazenda isolada, filha de agricultores, que possui uma extensa família,
como já era de se esperar. E o painel com o número de habitantes, que só
aumenta, desta cidadezinha dos coelhos, evidencia o tom acertado do humor. Mas
Judy tem sonhos maiores, em contraponto ao seu tamanho: pretende se mudar para
a metrópole, denominada Zootopia, onde todas as espécies de animais convivem em
harmonia, na intenção de se tornar a primeira coelha policial. Lá, a
protagonista passa a enfrentar o preconceito e as manipulações dos outros
animais, mas conta com a ajuda inesperada da raposa Nick Wilde (voz de Rodrigo
Lombardi), conhecida por suas malandragens infracionais. A inesperada dupla se
dedica à busca de uma lontra desaparecida, descobrindo, pouco a pouco, uma
conspiração que afeta toda a cidade.
Assim, uma típica heroína, altruísta e
dedicada se vê às voltas com um anti-herói, egoísta ao extremo: e a química
entre esses improváveis personagens acontece. Utopia, no dicionário, é a ideia
de civilização ideal, fantástica, imaginária. E como o próprio nome do filme já
diz, o espectador é apresentado a um ideal, não demorando a surgir o conflito:
alguns animais estão sumindo, principalmente mamíferos (e os humanos são o que
mesmo?), atrelado a um descontrole que aflora o extinto mais primitivo
adormecido. Referências e críticas à nossa sociedade (“bem-vindo à selva urbana”,
diz o cartaz americano), seja pelo prisma social, político ou comportamental,
estão estampadas, reservando momentos hilários como a representação do DETRAN, rendendo
uma das melhores sequências de comédia do longa. Confesso que tive uma crise de
risos tamanha, capaz de me tirar do filme por alguns minutos, ocasião em que
limpei os óculos 3D e me recompus, como um adulto que sou, ou penso que sou
rsrsrs.
E por falar nisso, o filme brinca com os estereótipos até não poder
mais, passando mensagens de otimismo, ao passo que desincentiva o preconceito.
Abordagens sobre o nocivo bullying surgem contemporâneas e dialogam com o novel
público. Tudo ajudado por uma linda fotografia que transporta a plateia para
aquele mundo fantástico, por meio do uso inteligente das cores: se temos um
primeiro ato entregue ao colorido, ao lúdico, na apresentação da cidade e seus
adoráveis moradores; em um segundo momento, durante a investigação, o universo
ganha ares de uma fita policial, já que o filme é banhado por uma paleta
sombria, remetendo ao submundo, ocasião em que somos apresentados a personagens
marginais.
Neste sentido, a animação ganha fôlego ao fugir das convenções do
gênero, entregando um clima quase noir ao piscar para o espectador mais velho: sim, esse filme é para você
também! O mistério por trás da investigação é bem arquitetado, auxiliado pela
montagem dinâmica, que explora os cortes de maneira orgânica, deixando o
público na ponta da cadeira dado o clima de suspense empregado. Contando com um
design de produção engenhoso, tecnicamente temos uma produção extremamente
criativa ao ponto de criar a engenharia da cidade adaptada para cada espécie: o
meio de transporte dos hamster’s então, nem se fala.
Dirigido com inventividade
por Byron Howard e Rich Moore, “Zootopia” não consegue manter o nível
do extraordinário segundo ato até o fim, quando cai em um desfecho piegas (e o
discurso da coelhinha “mastiga” tudo que foi visto durante sua trajetória),
além de soar corrido, sendo facilmente resolvido, já que o sumiço dos bichos
parecia complexo demais para ser solucionado de forma tão simplória. Somado a
isso, temos um personagem pouco explorado, o comparsa da raposa Nick, que faz
falta em vários momentos, onde se espera, desde já, que seja mais utilizado em
uma provável sequência.
Entretanto, felizmente, Zootopia supera essas pequenas
adversidades. Os seus realizadores alegram os corações cinéfilos ao fazerem referências do naipe de “O Poderoso Chefão” e “Breaking Bad”. Homenagens que
entregam de onde vem tamanho bom gosto.
*Avaliação: 4,5 pipocas + 4,0 rapaduras
= nota 8,5