Compilamos as resenhas dos principais indicados ao Oscar 2016.
Por Rafael Morais
MAD MAX: ESTRADA DA FÚRIA
- Melhor Filme
- Melhor Diretor: George Miller
- Melhor Fotografia: John Seale
- Melhor Figurino
- Melhor Maquiagem e Cabelo
- Melhor Mixagem de Som
- Melhor Edição de Som
- Melhores Efeitos Visuais
- Melhor Design de Produção
- Melhor Edição
*Avaliação: 5,0 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 9,5.
PERDIDO EM MARTE
- Melhor Filme
- Melhor Ator: Matt Damon
- Melhor Roteiro Adaptado: Drew Goddard
- Melhor Mixagem de Som
- Melhor Edição de Som
- Melhores Efeitos Visuais
- Melhor Design de Produção
Ridley Scott (criador de “Alien, o 8º Passageiro” e da adaptação de “Blade Runner – o Caçador de Andróides”) volta ao espaço com um típico e surpreendente feel good movie. Se por um lado o cineasta é conhecido por obras sombrias envolvendo ficção científica espacial, agora podemos presenciá-lo no comando de uma aventura divertida e leve, onde a sua assinatura como diretor nos salta aos olhos apenas no quesito visual, já que tematicamente o roteiro não representa um terreno seguro ao idealizador. Baseado no livro “The Martian”, o longa narra a expedição da “Ares III”, onde um grupo de astronautas chega à Marte para explorar o planeta, porém, são surpreendidos por uma forte tempestade (aos moldes daquela que vimos em “Prometheus”, também de Scott, parecendo ter saído diretamente do filme), ocasião em que Mark Watney (o sempre esforçado Matt Damon) acaba atingido por destroços não conseguindo embarcar e fugir com a tripulação. Dado como morto, o astronauta terá que se virar, literalmente, sozinho em um planeta hostil, há 83 milhões de quilômetros de casa. Utilizando-se da ciência “até fazer bico”, como o próprio personagem fala em uma determinada cena, Mark tem suprimentos apenas para sobreviver por 31 dias, o que já nos causa certa tensão inicial, já que a próxima expedição, a Ares IV, só chegará ao planeta vermelho em 04 anos. Desafios como falta de água, comunicação, racionamento e produção de comida, ambiente extremamente hostil ao homem, entre outros, são retratados de forma crível, sempre encontrando na ciência uma solução para cada problema. Nesse ponto, temos um roteiro e direção inteligentes por prever a limitação técnica do público (conteúdos hightec, química, botânica e física são explorados sem moderação) e colocar Mark virado para uma câmera registrando tudo como uma espécie de diário, ou vlog, explicando os seus mirabolantes planos, demonstra uma forma acertada de dialogar com o espectador e ao mesmo tempo se fazer entender com tamanho didatismo. Deste modo, não nos sentimos perdidos como o personagem título (desculpem o trocadilho rsrs) durante a projeção, já que nos tornamos cúmplices e “seguidores” deste solitário astronauta. Interessante notar como o título original, “O Marciano”, também cairia bem, se assim fosse traduzido, ao percebermos que Watney realmente está colonizando aquele planeta, até então não desbravado, sendo um legítimo marciano, de fato. Já o predicado “perdido”, na verdade, não se assemelha ao astronauta em questão, uma vez que tem total controle de seus atos e está completamente preparado para as adversidades encontradas, como ele mesmo afirma em uma mensagem aos seus pais: “estou fazendo o que gosto”, e realmente o protagonista domina os seus atos e a geografia daquele inóspito ambiente. Ancorado no otimismo, ideia que Hollywood resolveu abraçar ultimamente em suas produções (vide Tomorrowland, por exemplo) temos a união de diversos povos e nações para o único propósito de salvar Mark. Soando por vezes forçado, neste sentido, sabemos que na realidade as coisas não acontecem daquela maneira, infelizmente. Mas Scott estava disposto a transformar problemas em solução, tensão em catarse, por isso se utiliza de uma eclética trilha sonora composta por músicas no estilo “disco music” da personagem de Jessica Chastain (paradoxalmente a mais amargurada da tripulação, já que é a comandante que precisa tomar as decisões mais difíceis) como um recurso de alívio cômico em várias sequências do filme. Aliás, o elenco escolhido já demonstra a intenção de leveza: temos Michael Peña, ator que comumente encara personas engraçadas; Jeff Daniels, o eterno “Debi”, de “Debi & Loide”, como diretor da NASA, que apesar de tentar ser sério, não consigo desvencilhar o seu rosto do icônico filme de comédia; além do usual clichê do gênio incompreendido que tenta se fazer ouvir, mas ninguém dá muita atenção no início, vivido por Donald Glover que tem o plano perfeito para o tão esperado resgate. Sem contar com o engenheiro de execução responsável por esses projetos “impossíveis”, o britânico, descendente de oriental, Benedict Wong. Menos pretensioso que a última ficção científica estrelada pelo próprio Damon (Interestelar), que também viveu um astronauta perdido em um planeta universo afora, “Perdido em Marte” pode até soar um filme propagandista da NASA quando peca na utilização demasiada de técnica e ciência em favor do heroísmo na figura do explorador espacial, esquecendo um pouco da emoção para dar lugar à razão, mas, com certeza, veremos esta produção amealhando algumas indicações nas principais categorias em premiações vindouras.
*Avaliação: 4,0 pipocas + 4,0 rapaduras = nota 8,0.
PONTE DOS ESPIÕES
- Melhor Filme
- Melhor Ator Coadjuvante: Mark Rylance
- Melhor Roteiro Original: Matt Charmann
- Melhor Mixagem de Som
- Melhor Design de Produção
- Melhor Trilha Sonora: Thomas Newman
Em "Ponte dos Espiões", Steven Spielberg e Tom Hanks reeditam a parceria em uma história, baseada em eventos reais, que narra a missão de James Donovan (Hanks), um advogado incumbido de defender Rudolf Abel, um suposto espião inglês, que estaria trabalhando para a União Soviética, infiltrado em solo americano durante a Guerra Fria. Neste contexto, temos um filme que soa datado no que se refere ao tema/pano de fundo abordado, porém, o que a direção e o roteiro, burilado pelos irmãos Coen, buscam é a dualidade da mesma moeda: mostrar como os espiões são tratados quando trancafiados pelo inimigo, o seu julgamento e, sobretudo, a ética dos envolvidos. Se os americanos tinham um espião sob custódia, os soviéticos também conseguiram capturar um soldado deles, e logo esta situação dividirá a tela e os interesses de cada lado, o que vamos perceber na montagem e raccords realizados. Assim, temos o american way life colocado em risco diante de uma iminente guerra, e todas as sequências em que as crianças surgem demonstram o pânico ocasionado por fortes imagens dos nocivos efeitos nucleares de uma bomba atômica que, por sinal, foi o próprio país dos pequenos que aterrorizou e apresentou ao mundo do que era capaz quando destruiu Hiroshima e Nagasaki. Destaque para a fotografia saturada marcando a luz do sol, principalmente nas brechas das celas e janelas, que banha os personagens centrais da trama, contrapondo com a paleta fria escolhida para Berlim e o seu muro divisor. Não menos interessante é o enquadramento do advogado e seu cliente: perceba que a câmera, constantemente, procura encaixá-los em lados opostos, porém, sempre enclausurados, embora que por motivos diferentes. Se o suposto espião estava sendo aprisionado pelo crime que poderia estar cometendo, Donovan, por ser um cidadão americano e estar defendendo um inimigo era alvo constante de ameaças e olhares desprezíveis no seu dia a dia, pelos deus próprios pares, inclusive. Vale notar as ótimas atuações de Hanks e Rylance, permeando entre o drama e o humor sutil, nos momentos certos, entregando a química merecida entre os seus complexos personagens. Neste ponto, o filme traz a questão ética ao centro concebendo um mandatário quase que obcecado pela salvaguarda das prerrogativas de seu outorgante, colocando em risco até a sua própria família, ao se valer da Constituição Federal para garantir o devido processo legal, embora o juiz e a sociedade já tenha julgado o réu, sem quaisquer provas. Um pouco arrastado nas suas duas horas e vinte minutos, a película se harmoniza com o período da Guerra Fria, já que as especulações e o jogo de bastidores prevaleciam naquela época. Logo, as sombras, o medo e as jogadas eram pensadas e repensadas antes da tomada de atitude. A ausência do glamour dos espiões que estamos acostumados a ver nas telonas dá lugar a homens cansados e resfriados, nada ameaçadores. Se o filme parece sofrer de ritmo, arrastando as negociações e tratativas, burocratizando as cenas e quebrando o impacto de potenciais sequências de tensão, talvez tudo isso coadune com a época retratada. Contudo, ainda prefiro o Spielberg desburocratizado, menos verborrágico e mais evocativo, que não se leva tanto a sério.
*Avaliação: 2,5 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 7,0
SPOTLIGHT-SEGREDOS REVELADOS
Roteirizado por Josh Singer e Tom McCarthy (também diretor do longa), “Spotlight – Segredos Revelados” é um drama baseado em uma história real que acompanha um destemido grupo de jornalistas em Boston dispostos a provar diversos casos de abuso de crianças causados por padres católicos. Em poder de um vasto rol de documentos, capazes de comprovar tais atos, fruto de uma árdua investigação, esta equipe do jornal Boston Globe ganhou o conceituado prêmio Pulitzer. O fato é que com os segredos revelados, como aponta o subtítulo nacional, as estruturas tanto da Igreja Católica – uma das instituições mais antigas e confiáveis do mundo – quanto da própria cidade, composta por governantes omissos, foram totalmente abaladas, desencadeando revelações ao redor do mundo. Mas para contar essa intrigante história, McCarthy decide não tomar o filme para si quando abre mão de firulas técnicas ou até mesmo montagem mais sofisticada, deixando transparecer um tom documental, quase televisivo à película. Por outro lado, os enquadramentos escolhidos sempre são eficientes, alguns clássicos, como no momento em que o grupo recebe uma importante ligação, por exemplo. Ali, o cineasta começa a cena com o foco fechado no telefone para, lentamente, ir abrindo o campo/quadro e mostrar os repórteres sentados, cada um em um plano distinto, apesar das reações semelhantes de incredulidade diante do impactante conteúdo daquela ligação. Bonito e eficiente neste ponto: cinema puro! Assim, o espectador capta, logo de cara, que o mais importante em “Spotlight” é a história apresentada, por isso a apresentação dos personagens e a própria investigação em si não têm pressa de acontecer. Intencionalmente, a obra caminha no seu tempo, mostrando o desgaste e o andamento arrastado no trabalho dos repórteres para montar uma matéria desse porte. Questões como solidão e compulsão por trabalho são levantadas ao tempo em que presenciamos estes profissionais, diariamente, não pensando ou fazendo outra coisa a não ser laborar, até mesmo em seus momentos de lazer ou folga. Para tanto, o design de produção, bem como a direção de arte, acertam em cheio ao colocar em perspectiva a suntuosidade escancarada nos cenários, objetos e vestimentas dos personagens atrelados à Igreja, contrapondo o simples local de trabalho, por vezes apertado, residências humildes e a despojada maneira de se vestir dos jornalistas e de um advogado, Mitchell Garabedian (vivido por Stanley Tucci), que ousou ir contra a secular instituição. O que dizer do escritório simples, desorganizado e que deixa um ar de fracasso deste causídico, responsável por diversas ações de indenização contra o clero? Glamour zero! Além do visível cansaço, terno aparentemente barato e refeições simples, detalhes do cotidiano daquele desesperançoso advogado. Neste quesito, tudo no filme grita esta discrepância, sem ser preciso, necessariamente, verbalizá-la. A química entre os colegas no jornal é notória graças ao acerto no elenco: Michael Keaton encarna um seguro e experiente Robinson; Mark Ruffalo, mais uma vez, consegue trazer uma nuance diferente à sua persona, se revelando um ator de vários tons ao surgir como “o coração e pulmão” da equipe durante o penoso trabalho de investigação (e perceber a expressão corporal empregada na construção de seu inquietante Rezendes como um sujeito retraído sempre com as mãos nos bolsos, o que nos comunica um ser fechado para compartilhar detalhes de sua vida particular, e ao mesmo tempo, sem hesitar, no instante em que retira as mãos desta zona de conforto, está sempre disposto a anotar, ouvir, indagar e descobrir algo dos outros); já Sacha Pfeiffer (Rachel Mc Adams) é responsável por trazer à tona e discutir a fé, mesmo que de maneira superficial, enquanto conflito religioso; diferente do integrante Matt Carroll (Brian d'Arcy James), um pai de família angustiado com a segurança de seus filhos, principalmente depois que descobre algo assustador na sua vizinhança (sem maiores detalhes para não entregar surpresas da trama). Deste modo, por ser uma obra em que o enredo e a importância do que está sendo revelado é mais importante do que qualquer outro aspecto técnico, o filme deixa a desejar na telona justamente pela falta de uma identidade visual ou até mesmo de uma fotografia caprichada. Confesso que não faria tanta diferença vê-lo em uma TV. Se por um prisma, temos uma mise-en-scène bem realizada com uma decupagem cuidadosa, por outro, a película investe na inevitável perplexidade em que os espectadores sentirão diante dos relatos narrados pelas vítimas molestadas (e sequeladas pelo resto da vida), o que assegura cada minúcia dos abusos, mas não causa o impacto desejado. Por fim, em linhas gerais, o filme peca (com o perdão do trocadilho rsrs) em não ir visualmente além, deixando de empregar a imagética em detrimento de longos e expositivos diálogos, no que pese ser justamente esta a sua intenção.
*Avaliação: 2,5 pipocas + 4 rapaduras = nota 6,5
*Avaliação: 2,5 pipocas + 4 rapaduras = nota 6,5
A GRANDE APOSTA
- Melhor Filme
- Melhor Diretor: Adam McKay
- Melhor Ator Coadjuvante: Christian Bale
- Melhor Roteiro Adaptado: Charles Randolph e Adam McKay
- Melhor Edição
*Avaliação: 3 pipocas + 4 rapaduras = nota 7,0
O REGRESSO
- Melhor Filme
- Melhor Diretor: Alejandro G. Iñarritu
- Melhor Ator: Leonardo DiCaprio
- Melhor Ator Coadjuvante: Tom Hardy
- Melhor Fotografia: Emmanuel Lubezki
- Melhor Figurino
- Melhor Maquiagem e Cabelo
- Melhor Mixagem de Som
- Melhor Edição de Som
- Melhores Efeitos Visuais
- Melhor Design de Produção
- Melhor Edição
- Melhor Trilha Sonora
Alcançando um lugarzinho entre as concorridas indicações ao Oscar,
na categoria melhor filme, “Brooklyn” não chegou lá por acaso. Produção
“pequena”, longe de ser um blockbuster, mas não menos interessante, tanto pelo
ponto de vista técnico quanto temático, que guarda no estudo de personagens o
seu ponto alto. Baseado no livro de Colm Tóibín, o roteiro de Nick Hornby
explora com sensibilidade a jornada de Eilis Lacey (a esplêndida Saoirse
Ronan), uma jovem sonhadora irlandesa disposta a viver o american way life ao
trocar a sua terra natal por Nova York, mais precisamente para o bairro do
Brooklyn, em busca de melhores condições de trabalho, deixando para trás suas
queridas mãe e irmã. O drama da protagonista é contado através de uma montagem
simples, porém, envolvente, obtendo na evocativa fotografia de Yves Bélanger o
contraste ideal entre os mundos de Eilis: a Irlanda dessaturada, remetendo à
desesperança, em detrimento da brilhante Nova York da década de 50, ressaltada
pelo raio de sol que reflete a protagonista quando adentra a cidade americana
pela primeira vez. Neste aspecto, é gritante a diferença nos critérios adotados
pela imigração daquela época para os de hoje em dia. Se antes bastava estar com
a saúde em dias, ou pelos menos aparentar isso através de lábios bem corados,
ou aspecto saudável, atualmente o imigrante passa por verdadeiras agruras para
conseguir um visto de trabalho, ou até mesmo de lazer, em território
estadunidense. Claro que o 11 de setembro contribuiu ainda mais para essa
política cerrada. Assim, temos uma obra romantizada, um típico feel good movie,
muito devido a este contexto histórico. Voltando ao que interessa, vale notar a
exuberante e delicada performance de Ronan no que diz respeito à evolução de
sua personagem. Se no início somos apresentados a uma garota tímida, contida,
quase sem cor, com vestes simplórias que denotam insegurança durante a
travessia de navio - ocasião em que se depara com uma tripulante antagônica,
que, segura e autoconfiante, lhe ajuda nesta empreitada. Adiante, conferimos
uma verdadeira transformação da menina em mulher no percorrer do longa, tal
qual aquela personagem que lhe serviu de guru na primeira viagem. E do 2º para
o 3º ato, essa inversão de papéis se torna óbvia na sequência em que Eilis
ajuda outra garota que se encontra em difícil situação, parecida com a que já
passara. Até a postura física da atriz muda com a sua evolução. Perceba que nos
instantes embaraçosos, nada glamourosos, percorridos para alcançar o seu
objetivo, a protagonista aparece com os ombros arqueados seguidos de um olhar
triste, temeroso. Exemplo melhor é a cena em que a personagem passa mal no
navio, diante de um desfecho constrangedor. Aliás, o filme anda na contramão
dos roteiros formuláicos baseados em contos de fada, quase que o
desconstruindo. Aqui, a “princesa” encara dificuldades reais, sem direito a
deslumbres, sendo recompensada ao final não por um “príncipe” encantado em seu
cavalo branco, mas pela consequência de suas corajosas escolhas. Com efeito, a
maturidade paira sob uma personagem feminina forte, firme em atitudes, com
postura ereta diante da vida, que sabe aonde quer ir e com quem pretende
compartilhar esses momentos. Tudo auxiliado pelo excelente trabalho de figurino
e maquiagem. Neste sentido, a história ganha força e personalidade a partir do
instante em que não cai no clichê do triângulo amoroso, já que Eilis deixou o
seu amor no Brooklyn para resolver pendências pessoais quando retorna à
Irlanda. Se o encanador italiano (Emory Cohen), também imigrante, demonstra
imenso carinho à protagonista passando segurança e certeza, aguardando
ansiosamente o retorno da amada; por outro lado, temos a tentação do
bem-sucedido, do novo, todavia incerto, o outro interesse amoroso que circunda
as pretensões de Elis, vivido pelo cativante ator Domhnall Gleeson. No entanto,
estamos diante de uma mulher decidida, independente, e, logo, todas as dúvidas
se dissipam num belo desfecho acompanhado por sonoros suspiros de corações
apaixonados.
*Avaliação: 3,5 pipocas + 4,5 rapaduras = nota
8,0.
O QUARTO DE JACK
O QUARTO DE JACK
- Melhor Filme
- Melhor Diretor: Lenny Abrahamson
- Melhor Atriz: Brie Larson
- Melhor Roteiro Adaptado: Emma Donoghue
Imagine uma mãe raptada e mantida presa em cárcere privado, com o seu filho, em um cômodo que serve de quarto, banheiro, quintal e cozinha ao mesmo tempo. Pois é nesta situação que somos apresentados à sofrida vida de Joy (Brie Larson) e Jack (Jacob Trambley). Baseado em fatos, o roteiro de Emma Donoghue (também autora do livro homônimo), aborda a visão do pequeno Jack frente à dura realidade em que vive somado à expectativa de fuga em busca do mundo novo. Em "O Quarto de Jack", a direção de arte ganha importância no cubículo/moradia, dando vida a cada detalhe: repare nos desenhos do menino espalhados por todo canto, nas roupas estendidas e nos modestos móveis que compõem o ambiente. Tudo retrata fielmente o lugar, trazendo verossimilhança à história. Mérito também às fortes atuações de Larson e Trambley. Demonstrando uma química sem igual, os atores se entregam ao projeto sendo um dos responsáveis diretos pelo sucesso do filme nos festivais em que passou - inclusive angariando importantes indicações no Oscar deste ano. Tremblay encarna uma carismática criança que não sabe diferenciar fantasia de realidade, uma vez que a sua ideia de mundo vem da televisão, único lazer disponível. Os seus únicos amigos são um cachorro imaginário, uma aranha e um rato. Na verdade, tudo que lhe aparece é real, sendo os demais seres e objetos partes de uma ficção: o que não está no quarto não está no mundo. Tanto é assim, que Jack encara o lado de fora como o espaço sideral, tamanha a sua distorção. Comovente ao retratar o desespero de Joy na pele de uma mãe desesperada por sobrevivência, sobretudo a de seu filho, a mulher se transforma em uma verdadeira águia protetora, e o seu sofrimento é palpável quando decide colocar um perigoso, mas, necessário, plano de fuga em ação, dando contornos de suspense ao drama. Já a direção de Lenny Abrahamson é extremamente competente ao enfocar todos os acontecimentos sob a ótica do garotinho através de enquadramentos que remetem o seu particular universo. Captar um “ambiente microcosmo” e tornar tudo maior em escala, conferindo vida e importância, não é tarefa das mais fáceis, o que Abrahamson faz com maestria no primeiro ato do filme, para desconstruir no terceiro de maneira genial quando o enredo coloca os sobreviventes frente a frente com o quarto e revela o seu verdadeiro tamanho, que, ainda mais diminuto e ajudado pelo uso de lentes diferentes (grandes angulares) faz Jack pensar que o cenário encolheu. Mas não, a sua percepção é que se alterou diante da evolução de seu personagem. Assim, as distorções do foco durante a presença da luz solar, além da captação de um som abafado, permite ao espectador experimentar o que seria a sensação de um primeiro contato com estes elementos depois de anos enclausurado, e, no caso de Jack, nunca sentido antes. Neste aspecto, a fotografia remete às cores vibrantes retratadas por bombons coloridos e um vistoso café da manhã, em detrimento da paleta em tons pastel escolhida para os objetos de cena que compõem o quarto. Além do mais, os adultos são quase sempre focados do pescoço para baixo, por meio de uma câmera oscilante, sendo reforçado pelos tensos encontros do menino com o seu algoz: o “velho Nick” (Sean Bridgers), como é chamado o homem responsável pela atrocidade de mantê-los aprisionados. E mesmo quando, inevitavelmente, há um contato visual com o rosto de algum personagem adulto, estranho à sua mãe, as lentes logo se voltam para baixo, a depender do grau de intimidade do interlocutor, como se a hesitação e o medo de Jack estivesse presente na linguagem do filme. E realmente estão. A narrativa fica por conta do pequeno e reserva algumas das melhores cenas e falas do longa. O que dizer dos momentos em que Jack é filmado deitado no chão, olhando para cima, pela claraboia, dentro do quarto, fazendo uma interessante rima visual com outro instante em que surge na mesma posição, em contato com o encantador "lado de fora"? Sensível e tocante! Fazendo referências filosóficas ao mito/alegoria da caverna de Platão, a película traz uma sequência em que Jack brinca com o reflexo da luz do sol que bate em sua parede, alimentando sua curiosidade, além de desvirtuar ainda mais o mundo real que lhe espera. E não é estranho perceber que, mesmo desacorrentados (isso não é spoiler, está nos trailers), mãe e filho sofrem tanto com o assédio da mídia, constantemente bombardeados por notícias, apelo e sensacionalismo, que chegam ao ponto de se pegarem saudosistas pensando no quarto, já que o lugar, apesar de remeter às lembranças horríveis, também era uma “bolha” que os resguardava de tudo de ruim que o mundo real pode oferecer. Assim, não é à toa o pesado estresse pós-traumático vivido por Joy, enquanto que a criança consegue se adaptar mais rápido, o que não os faz escapar de tomadas fechadas, tão claustrofóbicas quanto às empregadas no quarto, cuja intenção da fotografia é continuar enclausurando os personagens, que, embora “livres”, continuam presos de formas diferentes. Obra capaz de discutir com sensibilidade a complexidade da natureza humana, “O Quarto de Jack” se impõe como uma experiência emocional e sensorial pelo prisma do ineditismo, ainda inocente, de seu carismático protagonista.
*Avaliação: 4,5 pipocas + 5 rapaduras = nota 9,5
*Avaliação: 4,5 pipocas + 5 rapaduras = nota 9,5