terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

OSCAR 2016 - Confira as resenhas dos principais indicados

Compilamos as resenhas dos principais indicados ao Oscar 2016.
Por Rafael Morais

MAD MAX: ESTRADA DA FÚRIA
  • Melhor Filme
  • Melhor Diretor: George Miller
  • Melhor Fotografia: John Seale
  • Melhor Figurino
  • Melhor Maquiagem e Cabelo
  • Melhor Mixagem de Som
  • Melhor Edição de Som
  • Melhores Efeitos Visuais
  • Melhor Design de Produção
  • Melhor Edição 
Em "Mad Max - Estrada da Fúria" temos o retorno da franquia após longos 30 anos do último filme. Película visualmente arrebatadora, que tem no seu ponto alto as alucinantes perseguições de carros, com efeitos especiais práticos, em sua grande maioria, trazendo uma aura saudosista para aqueles que curtem um cinema verossímil. Não foi a toa os 200 milhões de dólares investidos. Por sua vez, a direção de George Miller, no alto dos seus setenta anos, é paradoxalmente revitalizante em sua maneira de filmar o gênero de ação, conseguindo, ao mesmo tempo, ser eletrizante e contemplativo nas belas tomadas de cenas/imagens que evocam muito mais que mil palavras. Assim, esse novo "Mad Max" é um western num futuro distópico interessantemente atual ao flertar com temas da nossa realidade, apesar de trazer figuras insanas e grotescas condizentes com aquele submundo. Destaque para a caprichada direção de arte que ambienta o espectador naquele universo pós-apocalíptico. Aliás, a fotografia traduz bem o amarelo desértico e causticante do dia, contrapondo o azul acinzentado quando a noite cai. Não menos interessante é a trilha sonora que permeia entre o clássico/erudito e o rock heavy metal diegético com uma pegada metalinguística ao trazer um personagem tocando uma guitarra explosiva pendurado em um paredão de som. Sim, Miller destrói e constrói essas personas, harmoniosamente, dentro do contexto ali apresentado. Contudo, se dessa vez temos um esforçado e talentoso Tom Hardy no lugar do carismático Mel Gibson, ganhamos a presença de Charlize Theron em uma atuação tão forte que coloca o Max como coadjuvante de luxo para os planos da protagonista. Para os fãs da saga, fiquem tranquilos: Mad Max voltou em grande estilo e sua mitologia foi integralmente respeitada. 
*Avaliação: 5,0 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 9,5. 
                                  
PERDIDO EM MARTE
  • Melhor Filme
  • Melhor Ator: Matt Damon
  • Melhor Roteiro Adaptado: Drew Goddard
  • Melhor Mixagem de Som
  • Melhor Edição de Som
  • Melhores Efeitos Visuais
  • Melhor Design de Produção                 

Ridley Scott (criador de “Alien, o 8º Passageiro” e da adaptação de “Blade Runner – o Caçador de Andróides”) volta ao espaço com um típico e surpreendente feel good movie. Se por um lado o cineasta é conhecido por obras sombrias envolvendo ficção científica espacial, agora podemos presenciá-lo no comando de uma aventura divertida e leve, onde a sua assinatura como diretor nos salta aos olhos apenas no quesito visual, já que tematicamente o roteiro não representa um terreno seguro ao idealizador. Baseado no livro “The Martian”, o longa narra a expedição da “Ares III”, onde um grupo de astronautas chega à Marte para explorar o planeta, porém, são surpreendidos por uma forte tempestade (aos moldes daquela que vimos em “Prometheus”, também de Scott, parecendo ter saído diretamente do filme), ocasião em que Mark Watney (o sempre esforçado Matt Damon) acaba atingido por destroços não conseguindo embarcar e fugir com a tripulação. Dado como morto, o astronauta terá que se virar, literalmente, sozinho em um planeta hostil, há 83 milhões de quilômetros de casa. Utilizando-se da ciência “até fazer bico”, como o próprio personagem fala em uma determinada cena, Mark tem suprimentos apenas para sobreviver por 31 dias, o que já nos causa certa tensão inicial, já que a próxima expedição, a Ares IV, só chegará ao planeta vermelho em 04 anos. Desafios como falta de água, comunicação, racionamento e produção de comida, ambiente extremamente hostil ao homem, entre outros, são retratados de forma crível, sempre encontrando na ciência uma solução para cada problema. Nesse ponto, temos um roteiro e direção inteligentes por prever a limitação técnica do público (conteúdos hightec, química, botânica e física são explorados sem moderação) e colocar Mark virado para uma câmera registrando tudo como uma espécie de diário, ou vlog, explicando os seus mirabolantes planos, demonstra uma forma acertada de dialogar com o espectador e ao mesmo tempo se fazer entender com tamanho didatismo. Deste modo, não nos sentimos perdidos como o personagem título (desculpem o trocadilho rsrs) durante a projeção, já que nos tornamos cúmplices e “seguidores” deste solitário astronauta. Interessante notar como o título original, “O Marciano”, também cairia bem, se assim fosse traduzido, ao percebermos que Watney realmente está colonizando aquele planeta, até então não desbravado, sendo um legítimo marciano, de fato. Já o predicado “perdido”, na verdade, não se assemelha ao astronauta em questão, uma vez que tem total controle de seus atos e está completamente preparado para as adversidades encontradas, como ele mesmo afirma em uma mensagem aos seus pais: “estou fazendo o que gosto”, e realmente o protagonista domina os seus atos e a geografia daquele inóspito ambiente. Ancorado no otimismo, ideia que Hollywood resolveu abraçar ultimamente em suas produções (vide Tomorrowland, por exemplo) temos a união de diversos povos e nações para o único propósito de salvar Mark. Soando por vezes forçado, neste sentido, sabemos que na realidade as coisas não acontecem daquela maneira, infelizmente. Mas Scott estava disposto a transformar problemas em solução, tensão em catarse, por isso se utiliza de uma eclética trilha sonora composta por músicas no estilo “disco music” da personagem de Jessica Chastain (paradoxalmente a mais amargurada da tripulação, já que é a comandante que precisa tomar as decisões mais difíceis) como um recurso de alívio cômico em várias sequências do filme. Aliás, o elenco escolhido já demonstra a intenção de leveza: temos Michael Peña, ator que comumente encara personas engraçadas; Jeff Daniels, o eterno “Debi”, de “Debi & Loide”, como diretor da NASA, que apesar de tentar ser sério, não consigo desvencilhar o seu rosto do icônico filme de comédia; além do usual clichê do gênio incompreendido que tenta se fazer ouvir, mas ninguém dá muita atenção no início, vivido por Donald Glover que tem o plano perfeito para o tão esperado resgate. Sem contar com o engenheiro de execução responsável por esses projetos “impossíveis”, o britânico, descendente de oriental, Benedict Wong. Menos pretensioso que a última ficção científica estrelada pelo próprio Damon (Interestelar), que também viveu um astronauta perdido em um planeta universo afora, “Perdido em Marte” pode até soar um filme propagandista da NASA quando peca na utilização demasiada de técnica e ciência em favor do heroísmo na figura do explorador espacial, esquecendo um pouco da emoção para dar lugar à razão, mas, com certeza, veremos esta produção amealhando algumas indicações nas principais categorias em premiações vindouras.
*Avaliação: 4,0 pipocas + 4,0 rapaduras = nota 8,0.

PONTE DOS ESPIÕES
  • Melhor Filme
  • Melhor Ator Coadjuvante: Mark Rylance
  • Melhor Roteiro Original: Matt Charmann
  • Melhor Mixagem de Som
  • Melhor Design de Produção
  • Melhor Trilha Sonora: Thomas Newman



Em "Ponte dos Espiões", Steven Spielberg e Tom Hanks reeditam a parceria em uma história, baseada em eventos reais, que narra a missão de James Donovan (Hanks), um advogado incumbido de defender Rudolf Abel, um suposto espião inglês, que estaria trabalhando para a União Soviética, infiltrado em solo americano durante a Guerra Fria. Neste contexto, temos um filme que soa datado no que se refere ao tema/pano de fundo abordado, porém, o que a direção e o roteiro, burilado pelos irmãos Coen, buscam é a dualidade da mesma moeda: mostrar como os espiões são tratados quando trancafiados pelo inimigo, o seu julgamento e, sobretudo, a ética dos envolvidos. Se os americanos tinham um espião sob custódia, os soviéticos também conseguiram capturar um soldado deles, e logo esta situação dividirá a tela e os interesses de cada lado, o que vamos perceber na montagem e raccords realizados. Assim, temos o american way life colocado em risco diante de uma iminente guerra, e todas as sequências em que as crianças surgem demonstram o pânico ocasionado por fortes imagens dos nocivos efeitos nucleares de uma bomba atômica que, por sinal, foi o próprio país dos pequenos que aterrorizou e apresentou ao mundo do que era capaz quando destruiu Hiroshima e Nagasaki. Destaque para a fotografia saturada marcando a luz do sol, principalmente nas brechas das celas e janelas, que banha os personagens centrais da trama, contrapondo com a paleta fria escolhida para Berlim e o seu muro divisor. Não menos interessante é o enquadramento do advogado e seu cliente: perceba que a câmera, constantemente, procura encaixá-los em lados opostos, porém, sempre enclausurados, embora que por motivos diferentes. Se o suposto espião estava sendo aprisionado pelo crime que poderia estar cometendo, Donovan, por ser um cidadão americano e estar defendendo um inimigo era alvo constante de ameaças e olhares desprezíveis no seu dia a dia, pelos deus próprios pares, inclusive. Vale notar as ótimas atuações de Hanks e Rylance, permeando entre o drama e o humor sutil, nos momentos certos, entregando a química merecida entre os seus complexos personagens. Neste ponto, o filme traz a questão ética ao centro concebendo um mandatário quase que obcecado pela salvaguarda das prerrogativas de seu outorgante, colocando em risco até a sua própria família, ao se valer da Constituição Federal para garantir o devido processo legal, embora o juiz e a sociedade já tenha julgado o réu, sem quaisquer provas. Um pouco arrastado nas suas duas horas e vinte minutos, a película se harmoniza com o período da Guerra Fria, já que as especulações e o jogo de bastidores prevaleciam naquela época. Logo, as sombras, o medo e as jogadas eram pensadas e repensadas antes da tomada de atitude. A ausência do glamour dos espiões que estamos acostumados a ver nas telonas dá lugar a homens cansados e resfriados, nada ameaçadores. Se o filme parece sofrer de ritmo, arrastando as negociações e tratativas, burocratizando as cenas e quebrando o impacto de potenciais sequências de tensão, talvez tudo isso coadune com a época retratada. Contudo, ainda prefiro o Spielberg desburocratizado, menos verborrágico e mais evocativo, que não se leva tanto a sério.

*Avaliação: 2,5 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 7,0

SPOTLIGHT-SEGREDOS REVELADOS
  • Melhor Filme
  • Melhor Diretor: Tom McCarthy
  • Melhor Ator Coadjuvante: Mark Ruffalo
  • Melhor Atriz Coadjuvante: Rachel McAdams
  • Melhor Roteiro Original: Josh Singer e Tom McCarthy
  • Melhor Edição

Roteirizado por Josh Singer e Tom McCarthy (também diretor do longa), “Spotlight – Segredos Revelados” é um drama baseado em uma história real que acompanha um destemido grupo de jornalistas em Boston dispostos a provar diversos casos de abuso de crianças causados por padres católicos. Em poder de um vasto rol de documentos, capazes de comprovar tais atos, fruto de uma árdua investigação, esta equipe do jornal Boston Globe ganhou o conceituado prêmio Pulitzer. O fato é que com os segredos revelados, como aponta o subtítulo nacional, as estruturas tanto da Igreja Católica – uma das instituições mais antigas e confiáveis do mundo – quanto da própria cidade, composta por governantes omissos, foram totalmente abaladas, desencadeando revelações ao redor do mundo. Mas para contar essa intrigante história, McCarthy decide não tomar o filme para si quando abre mão de firulas técnicas ou até mesmo montagem mais sofisticada, deixando transparecer um tom documental, quase televisivo à película. Por outro lado, os enquadramentos escolhidos sempre são eficientes, alguns clássicos, como no momento em que o grupo recebe uma importante ligação, por exemplo. Ali, o cineasta começa a cena com o foco fechado no telefone para, lentamente, ir abrindo o campo/quadro e mostrar os repórteres sentados, cada um em um plano distinto, apesar das reações semelhantes de incredulidade diante do impactante conteúdo daquela ligação. Bonito e eficiente neste ponto: cinema puro! Assim, o espectador capta, logo de cara, que o mais importante em “Spotlight” é a história apresentada, por isso a apresentação dos personagens e a própria investigação em si não têm pressa de acontecer. Intencionalmente, a obra caminha no seu tempo, mostrando o desgaste e o andamento arrastado no trabalho dos repórteres para montar uma matéria desse porte. Questões como solidão e compulsão por trabalho são levantadas ao tempo em que presenciamos estes profissionais, diariamente, não pensando ou fazendo outra coisa a não ser laborar, até mesmo em seus momentos de lazer ou folga. Para tanto, o design de produção, bem como a direção de arte, acertam em cheio ao colocar em perspectiva a suntuosidade escancarada nos cenários, objetos e vestimentas dos personagens atrelados à Igreja, contrapondo o simples local de trabalho, por vezes apertado, residências humildes e a despojada maneira de se vestir dos jornalistas e de um advogado, Mitchell Garabedian (vivido por Stanley Tucci), que ousou ir contra a secular instituição. O que dizer do escritório simples, desorganizado e que deixa um ar de fracasso deste causídico, responsável por diversas ações de indenização contra o clero? Glamour zero! Além do visível cansaço, terno aparentemente barato e refeições simples, detalhes do cotidiano daquele desesperançoso advogado. Neste quesito, tudo no filme grita esta discrepância, sem ser preciso, necessariamente, verbalizá-la. A química entre os colegas no jornal é notória graças ao acerto no elenco: Michael Keaton encarna um seguro e experiente Robinson; Mark Ruffalo, mais uma vez, consegue trazer uma nuance diferente à sua persona, se revelando um ator de vários tons ao surgir como “o coração e pulmão” da equipe durante o penoso trabalho de investigação (e perceber a expressão corporal empregada na construção de seu inquietante Rezendes como um sujeito retraído sempre com as mãos nos bolsos, o que nos comunica um ser fechado para compartilhar detalhes de sua vida particular, e ao mesmo tempo, sem hesitar, no instante em que retira as mãos desta zona de conforto, está sempre disposto a anotar, ouvir, indagar e descobrir algo dos outros); já Sacha Pfeiffer (Rachel Mc Adams) é responsável por trazer à tona e discutir a fé, mesmo que de maneira superficial, enquanto conflito religioso; diferente do integrante Matt Carroll (Brian d'Arcy James), um pai de família angustiado com a segurança de seus filhos, principalmente depois que descobre algo assustador na sua vizinhança (sem maiores detalhes para não entregar surpresas da trama). Deste modo, por ser uma obra em que o enredo e a importância do que está sendo revelado é mais importante do que qualquer outro aspecto técnico, o filme deixa a desejar na telona justamente pela falta de uma identidade visual ou até mesmo de uma fotografia caprichada. Confesso que não faria tanta diferença vê-lo em uma TV. Se por um prisma, temos uma mise-en-scène bem realizada com uma decupagem cuidadosa, por outro, a película investe na inevitável perplexidade em que os espectadores sentirão diante dos relatos narrados pelas vítimas molestadas (e sequeladas pelo resto da vida), o que assegura cada minúcia dos abusos, mas não causa o impacto desejado. Por fim, em linhas gerais, o filme peca (com o perdão do trocadilho rsrs) em não ir visualmente além, deixando de empregar a imagética em detrimento de longos e expositivos diálogos, no que pese ser justamente esta a sua intenção.
*Avaliação: 2,5 pipocas + 4 rapaduras = nota 6,5


A GRANDE APOSTA
  • Melhor Filme
  • Melhor Diretor: Adam McKay
  • Melhor Ator Coadjuvante: Christian Bale
  • Melhor Roteiro Adaptado: Charles Randolph e Adam McKay
  • Melhor Edição
Quando a crise imobiliária que assolou a economia dos EUA explodiu entre 2007 e 2008, alguns investidores e especuladores conseguiram prever a tragédia e lucrar com a desgraça alheia e por que não dizer própria?! Sim, "A Grande Aposta" é um filme que lida com as consequências de uma crise humanizando os envolvidos, direta e indiretamente, quando escancara o jogo de interesses: de um lado, os mais prejudicados pela facilidade do crédito, imbuídos pelo sonho da casa própria; e de outro, os que ganham com o descrédito, com o pesadelo. Dirigido com agilidade por Adam McKay, já que a sua câmera é nervosa e quase não respira na captura de seus "jogadores" - o que acaba se harmonizando com o frenesi diário destes profissionais que trabalham na bolsa de valores - temos uma obra com identidade própria construída na adaptação de um livro. A montagem, não menos interessante, é dinâmica ao ponto de sempre arremessar frases, imagens ou cortes rápidos, que à primeira vista podem parecer desconexos do contexto, mas que acabam ajudando a contar a história. Como o tema é extremamente técnico, o longa tenta ser didático ao colocar celebridades para explicar os termos comuns à Economia. E a sequência na qual a belíssima atriz Margot Robbie, dentro de uma banheira, explica o significado do termo "subprime" é de uma maldade com o espectador, uma vez que não conseguimos nos concentrar no que ela está dizendo diante de sua estonteante presença. Desta forma, o filme conta com uma pegada pop, cheio de atitude rock’n roll, demonstrada pela vibrante trilha sonora escolhida pontualmente, que passeia de Nirvana a Led Zeppelin, na intenção de segurar a atenção do público através de uma linguagem narrativa didática. Destaque para a atuação de Christian Bale como Michael Burry, um sujeito que previu a iminente bolha no mercado imobiliário, tendo como consequência uma espécie de reação em cadeia, o que derrubaria todas as demais camadas da economia estadunidense, causando desemprego e caos. Burry, na qualidade de investidor de risco, apostou alto contra este mercado tão estável, coisa que ninguém jamais havia feito, tamanha a solidez do negócio. Também nos deparamos com mais uma faceta de Steve Carell na pele de um estressado investidor, atormentado por uma tragédia familiar. Ao passo em que Ryan Gosling começa narrando e apresentando aquele mundo ao público com a quebra da quarta parede, quando olha diretamente para o espectador e conta a história: outro artifício usado aqui e ali durante a projeção na ânsia de prender a nossa atenção, nos deixando mais próximos dos personagens, agora cúmplices, ao forjar essa intimidade. Ainda sobre o elenco, Brad Pitt (também produtor do longa) surge com uma espécie de guru de Wall Street na pele de Ben Rickert, um cara que mesmo já afastado das atividades, não se furta em ajudar os iniciantes Jamie e Charlie. No entanto, mesmo vendido como uma comédia, o filme passa longe desse gênero se aproximando mais de um drama, no máximo uma dramédia, assim como aconteceu em "Moneyball: O Homem que Mudou o Jogo", também dirigido por McKay. Por fim, embora reconhecendo a ótima intenção dos realizadores em tentar familiarizar o público com um tema tão complexo (e fazia tempo que não via tanta gente abandonando a sessão antes do fim), abraçar o drama e contar a história indo direto ao ponto poderia acrescentar mais ao resultado final, além de representar uma opção mais honesta com o público, coisa que Martin Scorsese não se furtou quando fez o seu “O Lobo de Wall Street”.
*Avaliação: 3 pipocas + 4 rapaduras = nota 7,0


O REGRESSO

  • Melhor Filme
  • Melhor Diretor: Alejandro G. Iñarritu
  • Melhor Ator: Leonardo DiCaprio
  • Melhor Ator Coadjuvante: Tom Hardy
  • Melhor Fotografia: Emmanuel Lubezki
  • Melhor Figurino
  • Melhor Maquiagem e Cabelo
  • Melhor Mixagem de Som
  • Melhor Edição de Som
  • Melhores Efeitos Visuais
  • Melhor Design de Produção
  • Melhor Edição
  • Melhor Trilha Sonora
Em um determinado momento de "O Regresso", um índio - em circunstâncias que não irei revelar para evitar spoilers - surge com uma placa nos seguintes dizeres: "somos todos selvagens". E é nesta máxima que o mais novo trabalho do cineasta Iñárritu (Birdman) encontra refúgio, buscando uma abordagem visceral desde o início da projeção. Assim, somos arrebatados, logo no princípio da película, com um belo e longo plano-sequência (que já virou marca registrada do diretor) capaz de nos ambientar naquele universo proposto através de uma sangrenta batalha entre índios e brancos. Baseada em fatos, a história data de 1822 quando Hugh Glass (Leonardo DiCaprio) parte para o oeste americano disposto a ganhar dinheiro caçando. Atacado por um urso, o protagonista fica seriamente ferido e é abandonado à própria sorte pelo parceiro John Fitzgerald (Tom Hardy), que ainda rouba seus pertences. Entretanto, mesmo com toda adversidade, Glass consegue sobreviver e inicia uma árdua jornada em busca de vingança. Contudo, para narrar esta premissa, Iñárritu e o roteirista Mark L. Smith se valem de algumas licenças poéticas para adaptar ao filme um roteiro já derivado de parte de um livro, inserindo ou retirando meias verdades, como o fato do filho de Glass, na verdade, não ter participado da expedição, o que foi modificado com o fito de trazer um personagem motivador/impulsionador na trajetória do pai em busca de sua vendeta. Visualmente impecável, o filme traz uma fotografia irretocável do mestre Emmanuel Lubezki, responsável por obra como “Árvore da Vida”, por exemplo. E não é à toa que em algumas cenas, como nas passagens de tempo (raccords), no enquadramento das paisagens, na arte de filmar um “tempo morto”, tudo isso nos remete, inevitavelmente, às obras de Terrence Mallick, parceiro habitual do fotógrafo. Aqui, Lubezki não se utiliza de luz artificial, apenas da natural, o que acaba se harmonizando com a proposta do longa: a natureza como princípio, meio e fim de tudo; o homem enquanto lobo do próprio homem (ou seria urso? rsrsrs). E por falar nisso, a já famosa sequência, também sem corte aparente, do ataque do urso a Glass mistura efeitos digitais com práticos - e confesso que não consigo distinguir onde começa um e termina o outro – tornando uma das mais perfeitas cenas já realizadas no Cinema. Graças também à esplêndida atuação de DiCaprio. O ator entrega uma atuação forte, de método, sem deixar de ser autoral, carregando nas expressões física e corporal a fórmula para os prêmios conquistados, e a carequinha dourada é a próxima. Durante os momentos mais enervantes, que exigiram mais, o ator mergulha no personagem ao ponto de atuar basicamente com expressivos olhares, sem necessariamente verbalizar ou mastigar tudo aquilo que sente. Durante as gravações, DiCaprio enfrentou o frio, comeu fígado cru, perdeu peso, enfim, tudo que Hollywood/Oscar adora para premiar. Justiça seja feita: o ator já merecia desde “O Lobo de Wall Street”. Já a trilha sonora, embora fria, não chama atenção para si, sabe silenciar nas horas certas, se utilizando de elementos sonoros diegéticos (sons que fazem parte naturalmente do ambiente) para compor um som baseado em respirações, batimentos cardíacos, tambores de índios, entre outros. Nenhuma novidade para o gênero, o que torna este quesito um dos mais fracos, tecnicamente, pela ausência de criatividade para sair do clichê. Não que a captura dos sons seja ruim. Pelo contrário! A mixagem e desenho do som são impecáveis, para não confundir com a trilha sonora. O elenco, por sua vez, merece destaque quando temos um Tom Hardy excepcional, na pele de um sujeito inescrupuloso, animalesco e não menos humano por tudo isso. Com os ideais/objetivos deturpados, o Fitzgerald de Hardy também tem os seus medos, fazendo um contraponto ideal ao do protagonista. Sem contar com a ótima presença em cena de Domhnall Gleeson – ator que figurou em várias produções que se destacaram atualmente como “Ex-Machina” e “Star Wars”, entre outras. O seu capitão Bridger surge como um homem íntegro no meio do caos. Mérito também para o modo com que o diretor insere o espectador na história, nos colocando diretamente lá como testemunha, espécie de álibi daqueles animais racionais, que não deixam de ser nossos pares, afinal de contas. E a “quebra da quarta parede” (quando o personagem olha ou interage diretamente com o público) retrata bem isso. Aproximar com closes e enquadrar os personagens de forma fechada denotam acertos na construção da linguagem narrativa proposta, além de enclausurá-los, apesar das imensas florestas que os cercam. A natureza, aliás, é retratada em “O Regresso” como uma força maior avassaladora, capaz de causar arrepios com suas imensas árvores cerradas balançando ao som de ventos uivantes, que observadas de baixo para cima oprimem e encurralam os meros seres que ali transitam. Tudo isso torna “O Regresso” uma experiência sensorial incrível que deve ser apreciada, se possível, no formato IMAX. Por fim, seja pelo respingo de sangue que gruda na lente durante uma luta, seja pelo respiro ofegante do protagonista, embaçando a mesma: sim, somos todos selvagens!
*Avaliação: 4,0 pipocas + 5,0 rapaduras = 9,0.

BROOKLYN
  • Melhor Filme
  • Melhor Atriz: Saoirse Ronan
  • Melhor Roteiro Adaptado: Nick Hornby
Alcançando um lugarzinho entre as concorridas indicações ao Oscar, na categoria melhor filme, “Brooklyn” não chegou lá por acaso. Produção “pequena”, longe de ser um blockbuster, mas não menos interessante, tanto pelo ponto de vista técnico quanto temático, que guarda no estudo de personagens o seu ponto alto. Baseado no livro de Colm Tóibín, o roteiro de Nick Hornby explora com sensibilidade a jornada de Eilis Lacey (a esplêndida Saoirse Ronan), uma jovem sonhadora irlandesa disposta a viver o american way life ao trocar a sua terra natal por Nova York, mais precisamente para o bairro do Brooklyn, em busca de melhores condições de trabalho, deixando para trás suas queridas mãe e irmã. O drama da protagonista é contado através de uma montagem simples, porém, envolvente, obtendo na evocativa fotografia de Yves Bélanger o contraste ideal entre os mundos de Eilis: a Irlanda dessaturada, remetendo à desesperança, em detrimento da brilhante Nova York da década de 50, ressaltada pelo raio de sol que reflete a protagonista quando adentra a cidade americana pela primeira vez. Neste aspecto, é gritante a diferença nos critérios adotados pela imigração daquela época para os de hoje em dia. Se antes bastava estar com a saúde em dias, ou pelos menos aparentar isso através de lábios bem corados, ou aspecto saudável, atualmente o imigrante passa por verdadeiras agruras para conseguir um visto de trabalho, ou até mesmo de lazer, em território estadunidense. Claro que o 11 de setembro contribuiu ainda mais para essa política cerrada. Assim, temos uma obra romantizada, um típico feel good movie, muito devido a este contexto histórico. Voltando ao que interessa, vale notar a exuberante e delicada performance de Ronan no que diz respeito à evolução de sua personagem. Se no início somos apresentados a uma garota tímida, contida, quase sem cor, com vestes simplórias que denotam insegurança durante a travessia de navio - ocasião em que se depara com uma tripulante antagônica, que, segura e autoconfiante, lhe ajuda nesta empreitada. Adiante, conferimos uma verdadeira transformação da menina em mulher no percorrer do longa, tal qual aquela personagem que lhe serviu de guru na primeira viagem. E do 2º para o 3º ato, essa inversão de papéis se torna óbvia na sequência em que Eilis ajuda outra garota que se encontra em difícil situação, parecida com a que já passara. Até a postura física da atriz muda com a sua evolução. Perceba que nos instantes embaraçosos, nada glamourosos, percorridos para alcançar o seu objetivo, a protagonista aparece com os ombros arqueados seguidos de um olhar triste, temeroso. Exemplo melhor é a cena em que a personagem passa mal no navio, diante de um desfecho constrangedor. Aliás, o filme anda na contramão dos roteiros formuláicos baseados em contos de fada, quase que o desconstruindo. Aqui, a “princesa” encara dificuldades reais, sem direito a deslumbres, sendo recompensada ao final não por um “príncipe” encantado em seu cavalo branco, mas pela consequência de suas corajosas escolhas. Com efeito, a maturidade paira sob uma personagem feminina forte, firme em atitudes, com postura ereta diante da vida, que sabe aonde quer ir e com quem pretende compartilhar esses momentos. Tudo auxiliado pelo excelente trabalho de figurino e maquiagem. Neste sentido, a história ganha força e personalidade a partir do instante em que não cai no clichê do triângulo amoroso, já que Eilis deixou o seu amor no Brooklyn para resolver pendências pessoais quando retorna à Irlanda. Se o encanador italiano (Emory Cohen), também imigrante, demonstra imenso carinho à protagonista passando segurança e certeza, aguardando ansiosamente o retorno da amada; por outro lado, temos a tentação do bem-sucedido, do novo, todavia incerto, o outro interesse amoroso que circunda as pretensões de Elis, vivido pelo cativante ator Domhnall Gleeson. No entanto, estamos diante de uma mulher decidida, independente, e, logo, todas as dúvidas se dissipam num belo desfecho acompanhado por sonoros suspiros de corações apaixonados. 
*Avaliação: 3,5 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 8,0.

O QUARTO DE JACK        
  • Melhor Filme
  • Melhor Diretor: Lenny Abrahamson
  • Melhor Atriz: Brie Larson
  • Melhor Roteiro Adaptado: Emma Donoghue                                                            
Imagine uma mãe raptada e mantida presa em cárcere privado, com o seu filho, em um cômodo que serve de quarto, banheiro, quintal e cozinha ao mesmo tempo. Pois é nesta situação que somos apresentados à sofrida vida de Joy (Brie Larson) e Jack (Jacob Trambley). Baseado em fatos, o roteiro de Emma Donoghue (também autora do livro homônimo), aborda a visão do pequeno Jack frente à dura realidade em que vive somado à expectativa de fuga em busca do mundo novo. Em "O Quarto de Jack", a direção de arte ganha importância no cubículo/moradia, dando vida a cada detalhe: repare nos desenhos do menino espalhados por todo canto, nas roupas estendidas e nos modestos móveis que compõem o ambiente. Tudo retrata fielmente o lugar, trazendo verossimilhança à história. Mérito também às fortes atuações de Larson e Trambley. Demonstrando uma química sem igual, os atores se entregam ao projeto sendo um dos responsáveis diretos pelo sucesso do filme nos festivais em que passou - inclusive angariando importantes indicações no Oscar deste ano. Tremblay encarna uma carismática criança que não sabe diferenciar fantasia de realidade, uma vez que a sua ideia de mundo vem da televisão, único lazer disponível. Os seus únicos amigos são um cachorro imaginário, uma aranha e um rato. Na verdade, tudo que lhe aparece é real, sendo os demais seres e objetos partes de uma ficção: o que não está no quarto não está no mundo. Tanto é assim, que Jack encara o lado de fora como o espaço sideral, tamanha a sua distorção. Comovente ao retratar o desespero de Joy na pele de uma mãe desesperada por sobrevivência, sobretudo a de seu filho, a mulher se transforma em uma verdadeira águia protetora, e o seu sofrimento é palpável quando decide colocar um perigoso, mas, necessário, plano de fuga em ação, dando contornos de suspense ao drama. Já a direção de Lenny Abrahamson é extremamente competente ao enfocar todos os acontecimentos sob a ótica do garotinho através de enquadramentos que remetem o seu particular universo. Captar um “ambiente microcosmo” e tornar tudo maior em escala, conferindo vida e importância, não é tarefa das mais fáceis, o que Abrahamson faz com maestria no primeiro ato do filme, para desconstruir no terceiro de maneira genial quando o enredo coloca os sobreviventes frente a frente com o quarto e revela o seu verdadeiro tamanho, que, ainda mais diminuto e ajudado pelo uso de lentes diferentes (grandes angulares) faz Jack pensar que o cenário encolheu. Mas não, a sua percepção é que se alterou diante da evolução de seu personagem. Assim, as distorções do foco durante a presença da luz solar, além da captação de um som abafado, permite ao espectador experimentar o que seria a sensação de um primeiro contato com estes elementos depois de anos enclausurado, e, no caso de Jack, nunca sentido antes. Neste aspecto, a fotografia remete às cores vibrantes retratadas por bombons coloridos e um vistoso café da manhã, em detrimento da paleta em tons pastel escolhida para os objetos de cena que compõem o quarto. Além do mais, os adultos são quase sempre focados do pescoço para baixo, por meio de uma câmera oscilante, sendo reforçado pelos tensos encontros do menino com o seu algoz: o “velho Nick” (Sean Bridgers), como é chamado o homem responsável pela atrocidade de mantê-los aprisionados. E mesmo quando, inevitavelmente, há um contato visual com o rosto de algum personagem adulto, estranho à sua mãe, as lentes logo se voltam para baixo, a depender do grau de intimidade do interlocutor, como se a hesitação e o medo de Jack estivesse presente na linguagem do filme. E realmente estão. A narrativa fica por conta do pequeno e reserva algumas das melhores cenas e falas do longa. O que dizer dos momentos em que Jack é filmado deitado no chão, olhando para cima, pela claraboia, dentro do quarto, fazendo uma interessante rima visual com outro instante em que surge na mesma posição, em contato com o encantador "lado de fora"? Sensível e tocante! Fazendo referências filosóficas ao mito/alegoria da caverna de Platão, a película traz uma sequência em que Jack brinca com o reflexo da luz do sol que bate em sua parede, alimentando sua curiosidade, além de desvirtuar ainda mais o mundo real que lhe espera. E não é estranho perceber que, mesmo desacorrentados (isso não é spoiler, está nos trailers), mãe e filho sofrem tanto com o assédio da mídia, constantemente bombardeados por notícias, apelo e sensacionalismo, que chegam ao ponto de se pegarem saudosistas pensando no quarto, já que o lugar, apesar de remeter às lembranças horríveis, também era uma “bolha” que os resguardava de tudo de ruim que o mundo real pode oferecer. Assim, não é à toa o pesado estresse pós-traumático vivido por Joy, enquanto que a criança consegue se adaptar mais rápido, o que não os faz escapar de tomadas fechadas, tão claustrofóbicas quanto às empregadas no quarto, cuja intenção da fotografia é continuar enclausurando os personagens, que, embora “livres”, continuam presos de formas diferentes. Obra capaz de discutir com sensibilidade a complexidade da natureza humana, “O Quarto de Jack” se impõe como uma experiência emocional e sensorial pelo prisma do ineditismo, ainda inocente, de seu carismático protagonista.
*Avaliação: 4,5 pipocas + 5 rapaduras = nota 9,5


Nenhum comentário:

Postar um comentário