Por Rafael Morais
"Não sei como será a terceira guerra mundial, mas sei como será a quarta: com pedras e paus." Albert Einstein.
Em “Oppenheimer”, a bomba é plantada e
vendida pelo marketing como o grande chamariz do filme. Mas não se
engane: o jogo político, os desdobramentos e as consequências, sobretudo após a
detonação, são o grande cerne da obra. Uma pena que esteja sendo vendida de
maneira dissimulada para alcançar um público mais amplo. Audiência esta que,
por sinal, não me surpreenderá se abandonar a sala no meio da projeção.
Arrastado, verborrágico, enfadonho. Estes podem ser alguns sinônimos proferidos por quem estiver esperando algo mais dinâmico e preenchido por ação. Mas essa pessoa não sou eu, definitivamente. Minhas expectativas foram alcançadas, não superadas. O longa é sobre como a natureza humana pode ser autodestrutiva, em todos os sentidos. Sobrepujar em prol do poder é a meta.
A burocracia, enfatizada pelas muitas (mas muitas!) linhas de diálogos - imagino o encadernado gigantesco que deve ser o roteiro desse filme – só reforça o quão complexo e ambicioso foi o “Projeto Manhattan”, como também as escolhas dos personagens, o contexto histórico e as decisões. A misancene é marcante no longa. Por vezes quase teatral.
Assim, há muito jogo de cena por trás dos bastidores de como a “roda gira”. Esteja preparado para isso. Se você está imaginando apenas explosões e aquela tensão estabelecida nas prévias (pare de ver trailers urgente!), passe longe. Logo, se a sua ansiedade/curiosidade está, tão somente, em acompanhar os aliados (leia-se EUA) x nazistas na corrida para quem vai criar primeiro a famigerada bomba atômica; ou uma mínima sensibilidade ao abordar Hiroshima e Nagasaki; cuidado para não se decepcionar. Não aguarde nada mais do que notícias de jornais e rádios dando essas informações. E friamente. Por este motivo, o ponto de menor destaque reside justamente na falta do prisma japonês, minimamente. Não é difícil entendermos o porquê de o filme ainda não ter data de lançamento lá para as bandas da “terra do sol nascente”.
Aqui, acompanhamos tudo pelo ponto de vista do protagonista-título. Para o bem, ou para o mal, a perspectiva é totalmente de Oppie (para os íntimos). Trata-se, portanto, de uma obra séria e pesarosa, desde o início. É pessimista no seu desfecho (ou seria realista demais?!), mas, por outro lado, enobrece a classe dos cientistas. Há graça e maldição na sabedoria. Em contrapartida, quase não existe espaço para o humor, principalmente o satírico: diametralmente oposto ao “Dr. Fantástico” de Kubrick, por exemplo. O alívio cômico não vem ao nosso socorro e o fôlego vai ficando cada vez mais curto.
Christopher Nolan, na verdade, consegue se revigorar aqui. O diretor encontra um meio termo na sua cinematografia, sabendo dosar seus maneirismos didáticos para entregar, igualmente, o sensorial. Ainda tem explicação? Tem bastante! Mas é compreensível, tendo em vista a temática técnico-científica. São explanações para não deixar o público “boiando”. O problema é que, às vezes, o tiro pode sair pela culatra. Na ânsia de decifrar e ensinar, efusivamente, o script pode confundir ao invés de esclarecer. Claro que ajuda o fato de Nolan ser um apaixonado pelo assunto. É notório. Mesmo assim, estamos diante de uma versão refinada (“2.0”) do cineasta, aquela pronta para amealhar estatuetas douradas e carecas. É um filme para Oscar, sem dúvida.
Tecnicamente primoroso, o longa é belamente fotografado por Hoyte van Hoytema, alternando entre o preto e branco e a paleta colorida - a depender de qual momento cronológico a edição está abordando. Os traumas do cientista também são representados por raios de luz alvejantes e flashs assombrosos que remetem ao peso de mais de 120 mil vidas “nas costas”. Montagem esta, aliás, que conduz de forma ágil e tranquila, até certo ponto, o desenrolar dos acontecimentos. Até que a pancada vem. E vem forte!
A direção de arte capricha na recriação histórica. O envolvimento do público fica até mais fácil com tamanho esmero. Até porque, a partir do segundo ato em diante, temos um típico “filme de tribunal”. E, para tanto, a plateia terá que ter comprado a personalidade problemática/humana/errática do protagonista, além de ter sido imersa naquele universo. Dr. Oppenheimer passa por um julgamento massivo acerca de um possível envolvimento de traição da pátria.
Afinal, ter pensamentos e atitudes afins de um democrata é o mesmo que ser um comunista? Ter ideias, tidas como comunistas, é ser um potencial antipatriota ao ponto de alimentar os soviéticos de informações sobre a bomba? Essas e outras questões são colocadas em xeque quando menos se espera. É tudo uma questão de conveniência, afinal “eles estão lhe tratando bem até precisarem de você”, diz um personagem lá pelas tantas.
Não menos fantástica, a trilha sonora de Ludwig Göransson é um espetáculo à parte. Se conferida em IMAX, você sentirá o som arrasador pressionando o seu peito e estremecendo as cadeiras. É uma trilha que brinca com os elementos de cena para compor. Diegética. Seja um sonar radioativo nervoso ou um tique-taque inquietante de uma bomba que está prestes a explodir (literalmente); seja os pés, batendo forte no chão, de uma arquibancada repleta por uma plateia ufanista sedenta por “heroísmo”; enfim, tudo pode ser usado na composição da trilha. E o resultado é simplesmente impecável!
O elenco estelar está excepcional, em sua grande maioria. As atuações são inspiradas e vão render indicações. Robert Downey Jr. se destaca. Matt Damon sempre convence, impressionante. Já Cillian Murphy mergulha de corpo e alma no seu enigmático "herói vilanesco". Camadas não faltam. Contudo, a personagem de Florence Pugh, por outro lado, é mal aproveitada.
A vida do “pai da bomba atômica”, do “Prometeu americano”, ganhou uma adaptação bombástica, com o perdão do trocadilho, que nos convida a refletir sobre os dilemas éticos e as ambiguidades propostas. O paradoxo de arriscar destruir o mundo para tentar salvá-lo trará um inevitável futuro sombrio? "Cabeças explodirão", ou não, ao final da sessão. Vá, veja e se certifique se a sua permanecerá no mesmo lugar.
3,5 Pipocas + 4,5 Rapaduras = 8,0.