Baseado no livro homônimo de Miriam Toews, "Entre
Mulheres" tem um discurso forte, necessário e, infelizmente, atemporal.
Sarah Polley (vencedora do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado) dirige e roteiriza
o filme com o cuidado e o respeito necessário, porém, sem nunca deixar de lado
as agruras e os gatilhos que a obra está disposta a propor.
Inspirado em eventos reais ocorridos na colônia de Manitoba,
na Bolívia, o longa segue as mulheres de uma comunidade religiosa que lutam
para conciliar sua fé com a realidade. Em 2010 (pasmem!), as mulheres da
comunidade isolada seguem a religião da igreja Menonita e acabam descobrindo um
segredo chocante sobre os homens daquele grupo.
Teatral em alguns enquadramentos e marcações, o filme tem uma
trilha sonora que ajuda a contar a história alternando entre o contemplativo e
apoteótico quando precisa; ao passo que os diálogos preenchem de humanidade os
personagens. Destaque para as atuações de Rooney Mara, Jessie Buckley e Ben
Wishaw. Assim, surpreendentemente, o texto é antimaniqueísta e complexo na medida
certa, tornando viável o desenvolvimento de um argumento inteligente e pungente.
Não há resoluções fáceis para questões difíceis.
Opressão, abusos, violências e subserviência são temas
recorrentes aqui. Para tanto, é intrigante perceber a paleta dessaturada, de
cores frias, escolhida para a fotografia. Um mundo cinza, como a realidade ali
demonstrada, aqui e acolá se permite ser contemplado por um belo pôr do sol – como
no trecho em que uma mãe acalenta sua filha e a coloca pra dormir depois de uma
crise de choro - onde os raios solares dourados e quentes roubam o filtro da cena. É
mais um dia vencido, o leão daquele dia se foi. Que venha o próximo.
Se a realidade à sua volta é muito crua e dura, como era para
aquelas mulheres, resta buscar pelo menos na natureza um consolo genuíno. Não à
toa o foco no relacionamento com os animais irracionais/domesticados traçando uma bela analogia sobre os relacionamentos sinceros. Repare, então, no arco e na importância da personagem vivida
pela ótima Sheila McCarthy.
Neste aspecto, e ainda sobre como a direção de arte influencia
no despertar da imaginação e na interpretação do espectador, seja consciente ou
inconscientemente, é interessante constatar as tonalidades mais vivas nos
adereços dos cabelos das meninas/adolescentes como se representasse a
feminilidade e a inocência. Ainda mais peculiar, observe em uma certa sequência,
já próxima do desfecho, a figura de um triângulo com a ponta voltada para cima
(o signo masculino), banhado por um vermelho berrante, posicionado justo na
parte detrás das carruagens das mulheres. O objeto encarnado é, certamente, o elemento
de cenário mais colorido e saturado de todo o filme. Ele denota perigo, paixão
e intensidade (e a depender da dosagem de cada um a toxicidade pode ser
fatalmente inevitável) e parece impregnar o caminho/destino das protagonistas.
É um simbolismo derradeiro e melancólico, pois vende
esperança na desesperança aos mais despercebidos. E eu juro que não queria ter me
atentado a isso. Me cortou o coração, assim como aconteceu em “A Lista de Schindler”
quando Spielberg destaca o vestido rubro daquela garotinha em meio ao preto e branco –
guardadas as devidas proporções, claro.
Mas que venham outros poentes, seguidos pelo nascer de outras
manhãs, intercalados por crepúsculos e tempestades num ciclo perfeito...com o
tempo, quem sabe os seres humanos não evoluam, verdadeiramente.
Conscientização, cultura (combate à ignorância) e isonomia são as “armas”.
E você, vai ficar e lutar ou vai partir?
Avaliação: 3,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 8,0.