terça-feira, 22 de novembro de 2022

Nos Cinemas - PANTERA NEGRA: WAKANDA PARA SEMPRE

Por Rafael Morais

Após a morte do rei T'Challa, Wakanda está cada vez mais vulnerável às intervenções das potências mundiais. Agora, mais do que nunca, os olhos da nação guardiã do vibranium estão atentos e voltados aos ares, à terra e, sobretudo, ao mar.

O ponto de partida para essa nova história dos estúdios Marvel é, justamente, a precoce partida do ator Chadwick Boseman. O diretor e roteirista Ryan Coogler teve que "corrigir a rota" e reinventar uma narrativa do zero. Desafio perceptível, a começar por fazer um mistério sem sentido de quem vai assumir o manto do herói. Era bastante óbvio e natural quem seria escolhido(a), mas mesmo assim fizeram disso um chamariz desnecessário.

Começando pelos destaques negativos do longa, é perceptível a pressa do roteiro em resolver os conflitos gerados. Se o filme cria uma expectativa ao dizer que será difícil, quase impossível, a fuga de uma personagem raptada para um lugar desconhecido e altamente inóspito, rapidamente há uma solução fácil para desfazer tudo aquilo que foi criado como problema. E isso acontece várias vezes, inclusive no seu desfecho. Os furos do script ficam perceptíveis, mas parece que a produção não estava tão interessada em corrigi-los.

Ainda sobre os aspectos frágeis, não menos frustrante é perceber que Shuri (Letitia Wright) não segura a onda como protagonista. Se no filme de 2018 a personagem funcionou muito bem como alívio cômico na pele de uma cientista genial e leve; aqui, em Wakanda Forever, o peso do luto não lhe caiu bem. Sai o sorriso largo para dar lugar a um olhar triste e às lágrimas. Ressentimentos e culpa substituem a leveza da irmã enlutada do herói. Talvez por isso a razão de existir da bela cena pós-crédito que mira a esperança e o futuro desse universo.

Já sobre os aspectos positivos, que não são poucos, destaco as atuações de Angela Basset vivendo uma Rainha Ramona pesarosa, sofrida, mas não menos forte como figura política imponente. É uma atuação segura e vigorosa que contrapõe o seu estado de espírito. E por falar em elenco, a adição de Tenoch Huerta como Namor é um acerto enorme! O ator mexicano aproveita a oportunidade e não decepciona, pelo contrário. Atuando com olhares e expressões corporais impactantes, Huerta se estabelece e se impõe na história.

Igualmente fantástica, a fotografia de Autumn Durald, bem como a direção de arte, evoca a cultura africana através das cores e enquadramentos contemplativos, especialmente nas cenas do velório de T'Challa. Tudo ancorado pela apoteótica trilha sonora capaz de mesclar o anacronismo entre a tecnologia e o analógico. O visual de Talocan e seus habitantes também merece elogio. Além do mais, a Marvel sabe construir universos e sempre capricha nos capangas do vilão, não tem como negar.

As cenas de ação, por sua vez, são bem coreografadas com o peso necessário na batalha. É perceptível o atrito do vibranium no impacto dos embates. Destaco a sequência de perseguição de carro que termina na ponte. Simplesmente sensacional a construção da tensão (a utilização de animais marinhos como meio de transporte é hipnótico e traz um ar de perigo/urgência surreal) seguida por uma trocação franca "comendo solta". Assim, toda a ação é filmada e ritmada através da utilização de músicas eletrônicas com batidas de tambores que remetem ao hightech da cultura "wakandiana".

Por fim, entre altos e baixos, Ryan Coogler entrega um filme-homenagem intimista e visualmente poderoso. Emocionante - já marejei os olhos com a abertura clássica da Marvel só com cenas de Boseman como Pantera Negra, mas sem som algum - essa continuação expande o universo de Wakanda com sucesso.

*Avaliação: 4,0 Pipocas + 4,0 Rapaduras = 8,0


segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Exclusivo Netflix - NADA DE NOVO NO FRONT


Por Rafael Morais

"Nada de Novo no Front", exclusivo da Netflix, é uma adaptação do romance homônimo de Erich Maria Remarque que narra a jornada do adolescente Paul Baumer, e seus amigos, convocados para atuar na linha de frente da Primeira Guerra Mundial. O jovem começa seu serviço militar de forma idealista e entusiasmada, mas logo é confrontado pela dura realidade do combate. Esta é a terceira versão desta história. A primeira, de Lewis Milestone, em 1930, venceu o Oscar de Melhor Filme. A outra versão, de 1979, é a menos conhecida e foi realizada por Delbert Mann.

Mas esta nova releitura, dirigida por Edward Berger, tem na bagagem cinematográfica obras como "Glória Feita de Sangue", do mestre Stanley Kubrick, ao adentrar e passear pelas trincheiras através do uso de steadicam, por exemplo. É o aprimoramento técnico de uma fórmula de sucesso. Captar as feições desesperadas ao passo em que coloca o espectador geograficamente ao lado desses homens desafortunados na iminência da morte é algo angustiante e aterrador.

Claro que em "1917" Sam Mendes também bebeu dessa mesma fonte, porém, tentou ser mais audacioso ao ir esteticamente além e rodar um longa sem cortes através de take "único", apenas um plano-sequência: disse o marketing. O pano de fundo era o mesmo: a Primeira Guerra Mundial.

Outra clara referência contemporânea é "Dunkirk", de Christophen Nolan. A obra fez escola ao estabelecer um crescente de suspense, sobretudo com a utilização da espetacular trilha sonora.  Assim, à medida em que a tensão aflora, a música de Volker Bertelmann acompanha o ritmo ao demarcar o tempo, quase como um tic tac de uma bomba-relógio. Contudo, aqui os acordes remetem aos horrores da guerra, literalmente. Violinos distorcidos, gritos e tambores secos entram e saem sem cerimônia. Marchas fúnebres premonitórias são inseridas e intercaladas escalonando o medo e preparando o público para algo ruim que está prestes a acontecer. Não há saída para os que vão lutar no front, e o filme deixa claro isso desde o início.

Prendendo a nossa atenção do primeiro ao último frame, a película ainda tem espaço para falar sobre patriotismo inflamado. A exacerbação do discurso desvirtua os interesses enquanto manipula a massa de manobra. Afinal, a alta patente uniformizada precisava de material humano para guerrear, muitas vezes sem propósito algum naquelas trincheiras, sem avançar um centímetro sequer. Havia a necessidade de amealhar jovens para morrer pelo país e o discurso patriótico idealizado, por vezes glamourizado, era eficaz como poder de convencimento.

A verdade é que o tema, por si só, exerce fascínio. Seja por trás das linhas inimigas, nos campos de batalha ou no “xadrez” estratégico das negociações (armistício empurrado goela abaixo), a guerra é implacável e não deixará um legado incólume à humanidade.

Afinal, para ilustrar bem o argumento faço minha a famosa frase de Erich Hartmann, um piloto de caça alemão da Segunda Guerra Mundial, o ás de caça de maior sucesso na história da guerra aérea: “A guerra é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam se matam por decisão de velhos que se conhecem, se odeiam, mas não se matam.”

Magnífico, uma das maiores surpresas que o filme me proporcionou residiu na aproximação com os elementos de suspense e horror dentro do gênero de guerra. A "terra de ninguém" devastada é o retrato do caos, do próprio inferno na Terra. É sensacional a estética empregada por Berger quando trabalha a tensão, utilizando até jump scares orgânicos. O gore não é evitado, acertadamente. O enquadramento das batalhas é lindamente fotografado com ares sombrios e sujos, mas não menos contemplativos minutos antes da saraivada de balas ressoar ou de uma bomba explodir.

Esta reimaginação do best-seller, já disponível no streaming, é o candidato da Alemanha para a categoria Melhor Longa-Metragem Internacional do 95º Oscar em 2023. Acho difícil ser superado por outro título.

Por fim, em "Nada de Novo no Front" os discursos manipuladores, e atemporais, assustam tanto quanto os horrores das trincheiras enlameadas de uma Primeira Guerra sanguinolenta retratada de maneira crua e visceral. Imperdível!

*Avaliação: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 10,0.