quinta-feira, 17 de outubro de 2013

EM CARTAZ - Gravidade

Cuarón propõe uma reflexão sobre a vida diante de uma catástrofe.
Por Rafael Morais
16 de outubro de 2013

Gravidade, o novo trabalho do diretor mexicano Alfonso Cuarón (Filhos da Esperança), fala mais sobre um drama (quase que um estudo de personagens), tendo como pano de fundo o suspense, do que propriamente uma ficção científica, diferente do que especulava-se antes de seu lançamento. O fato é que ao enfocar questões existenciais/ontológicas, a solidão e o autocentrismo, o cineasta flerta com a subjetividade, dando "asas" à identificação direta do público com as personas apresentadas. Assim, não estamos diante de um blockbuster qualquer, bem realizado, onde se gasta mais de $100 milhões de dólares em computação gráfica. Cada centavo investido é recompensado visualmente, tornando tecnicamente impecável e ajudando, sobremaneira, na construção e linguagem narrativa da obra.

A história, por sua vez, se passa no hostil, enigmático e belo espaço, na órbita terrestre, a 600 quilômetros de altura. Neste ambiente, onde a vida é impossível - poeticamente paradoxal à proposta do filme e o seu desfecho - uma equipe de astronautas e cientistas faz a manutenção e instalação de algumas peças no telescópio Hubble quando surge o alerta trágico: vários detritos estão chegando em alta velocidade à sua posição. Em minutos, pegando todos os astronautas de surpresa, a catástrofe está consumada, não restando nada seguro a se apegarem, a não ser uns aos outros (literalmente). Diante disto, restam apenas a Dra. Ryan Stone (Sandra Bullock) e o comandante da missão, Matt Kowalsky (George Clooney), à mercê da própria sorte, totalmente indefesos e vagando pelo espaço.

Mas para narrar esta "epopeia" sobre a vida, ou como sobrevivê-la, Cuarón abusa (no bom sentido) de seus já famosos planos-sequências lindamente intermináveis, chegando ao ápice quando aproxima ou distancia o foco/close nos astronautas e os objetos que os cercam. Tudo isso em um mesmo plano, como se incluísse o espectador naquela história, forçando-o a confrontá-la de perto, mesmo que não queira - quando há a aproximação -, pois não é possível fugir por mais que a câmera se distancie. Contudo, o que vai imperar durante boa parte da película é a justaposição dos personagens com o espectador, tanto é que em um belíssimo e inesquecível plano-sequência, o cineasta nos transporta para dentro do capacete da Dra. Ryan, onde assumimos o seu ponto de vista e compartilhamos a sua experiência, para depois nos tirar de lá sem um mínimo corte aparente. 

A verdade é que tecnicamente não há o que se repreender em Gravidade. A utilização do som ou falta dele, bem como a contemplação do silêncio, torna o ensaio ainda mais agoniante, uma vez que o cineasta aprendeu com os erros das ficções que não respeitavam algumas leis da física, sendo certo que no espaço o som não se propaga. Logo, mesmo diante de todos os impactos dos detritos com os objetos em cena, não escutamos absolutamente nada, apenas sentimos os impactos que o uniforme dos astronautas ocasionam quando colidem com algo. E se você acha que ouviu os estrondos dessas colisões, saiba que, mais uma vez, o cinema usou da arte de contar uma mentira, ludibriando-o e fazendo-o acreditar que a trilha sonora de Steve Price, inteligentemente diegética, entra no momento certo, levando-o a "erro". Genial! 

Não menos brilhante, os efeitos visuais são de tirar o fôlego (especialmente em 3D - lágrimas sem gravidade se cruzam com as do público, apreciando o encanto da fragilidade humana e sua persistência). Explosões em gravidade zero, além de longos e aflitivos planos sem cortes durante as chuvas de detritos que acontecem a cada 90 minutos - tempo esse que serve de parâmetro para que a Dra. Ryan cronometre o que poderá ser o seu fim - tornando o roteiro ágil ao prender a atenção do espectador até o final. 

E por falar em roteiro, para boa parte da crítica, este é o único probleminha do filme. Mas como ando longe de ser crítico, não entendo assim. A meu ver, o argumento é perspicaz ao aprofundar - na medida do possível - a personagem principal com o público. Repare que uma simples conversa entre a Dra. Ryan (na pele da surpreendente Sandra Bullock) e o tenente Matt (o sempre competente e talentoso George Clooney) ao ser indagada sobre o seu nome um tanto masculino, a astronauta confessa que o seu pai queria um menino ao invés de menina. É algo simples, mas que faz uma grande diferença em um filme-sobrevivência, onde a vida passará sobre os olhos daqueles que se encontram em uma situação limite. Aliás, Clooney desempenha um papel importantíssimo na trama como um profissional já experiente, servindo como um desafogo a quase insuportável tensão apresentada, praticamente um alívio cômico, ao fazer piadinhas ou emprestar uma voz suave e calma no auxílio à sua colega novata.

Mas é no buscar um sentido pra viver, nos "renascimentos" da Dra. Stone (seja em posição fetal ao tirar o seu pesado uniforme, envolta pelas cordas da astronave, tal qual um bebê recebendo o básico para a sua sobrevivência através de um cordão umbilical; seja pelos seus "primeiros"/segundos passos em outro momento da película) que Cuarón encontra no espaço uma beleza para a vida; na natureza física selvagem, rebusca um momento para reflexão, onde dirigir, apenas para se deixar levar, sem rumo algum, não nos cabe mais.

Comentários
6 Comentários

6 comments:

  1. Adorei o filme Rafael. Gostei muito do você escreveu.

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  2. Poxa... Você traduziu em palavras tudo que senti ontem ao acabar o filme. Lindo demais...

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    1. Valeu, Ana Denise. Fico feliz por ter conseguido expressar a experiência cinematográfica que Gravidade proporcionou.

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  3. belo texto =) concordo com praticamente tudo.

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    1. Obg, Bruno Leonardo. Acredito que este filme vai arrebatar algumas estatuetas no Oscar. Veremos...

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