terça-feira, 13 de agosto de 2013

EM CARTAZ - Cine Holliúdy

Halder Gomes homenageia o cinema, ao tempo em que propõe a interiorização deste.
Rafael Morais
13 de agosto de 2013

*ATENÇÃO: Alguns termos serão digitados em cearensês. Abaixo da resenha você poderá ler os significados de cada um. (Só por "gaiatice" "mermo").

Baseado no premiado curta: "O Astista Contra o Caba do Mal" (também dirigido por Halder Gomes em 2006), Cine Holliúdy ganhou um longa-metragem com o objetivo de introduzir e desenvolver melhor aquele universo e personagens já apresentados. Contudo, apesar de utilizar uma linguagem extremamente regionalista - "cearensês" - a temática central proposta é universal, pois o cineasta faz um bom uso da metalinguagem para narrar a saga de um homem que leva sua esposa e seu filho pelo interior do Ceará em busca de manter vivo o sonho de projetar filmes para os menos privilegiados. E neste sentido, a fala de Francisgleydisson (Edmilson Filho), este pai de família "abirobado" por cinema, em uma das surpreendentes cenas emocionantes reservadas, diz muito sobre o espírito do filme: "Enquanto houver vida, haverá cinema". Na filosófica frase do personagem, a troca da palavra esperança por cinema tem tudo a ver e reflete bem toda a dedicação e amor daquele "caba" pela sétima arte, justificando a sua "peleja" e teimosia nesta intrépida e árdua missão.

A direção de arte, por sua vez, é "arretada" ao ambientar o filme de forma detalhista na década de 70. Fitas de Kung Fu, com títulos pra lá de toscos, divulgados em placas no chão; carrinho de pipoca estacionado na frente do cinema; palhaço com pernas de pau (que ajudam a assistir ao filme pelas brechas sem pagar o ingresso); veículos típicos da época; e, principalmente, figurinos e cenários que valem para reproduzir a atmosfera nostálgica sugerida pela produção. Assim, a sequência que mostra a reforma do cineminha, por exemplo, denota todo este esmero artístico.  

Alguns tipos apresentados são outro show à parte. Falcão como um cego "ingnorante, mah" e Bolachinha como a oposição política, entre outras figuras que aparecem naquela sessão de cinema, conferem verossimilhança às cenas, uma vez que faz o espectador pensar: " já vi um desses no meu interior." Porém, a escolha de Karla Karenina como torcedora do time do Fortaleza, com poucas falas e importância, não traz uma personagem à altura da atriz, ainda que seja para mostrar a rivalidade regional entre os times de Futebol local (convenhamos que o Fortaleza não dá pra disputar com o glorioso Ceará, rsrsrsrs). Do mesmo modo, a esposa de Francisgleydisson, vivida pela atriz Miriam Freeland, não convence como uma mulher tipicamente cearense. Mesmo dotada de um forte carisma, o seu estereótipo físico não ajuda na composição da persona: rosto bem afilado com expressões/traços sulistas e sotaque nordestino forçado. Como uma mulher tão bonita tem um filho tão "feinho"? Não deu pra engolir. 

E por falar no menino, por mais inexperiente que seja como ator, a criança confere uma tridimensionalidade ao personagem, por soar frágil e, aí sim, com um sotaque regional carregado e verdadeiro. Não por acaso, a escolha para o seu parceiro, representada pela amizade entre ele e o outro ator mirim soou tão orgânica. Halder Gomes tinha o elenco na mão e, como um bom cineasta, soube extrair o máximo de cada um sentindo a química entre eles. Entretanto, ainda neste tocante, confesso que senti falta das molecagens do ator, diretor de peças teatrais, comediante e "marmotoso" Carri Costa. O filme tem a sua cara e é revestido pela matéria-prima de seu trabalho artístico: o humor cearense de molecagem. 

Elenco à parte, em se tratando de comédia, Halder consegue o essencial e mais difícil: mostra domínio do tempo cômico e faz o humor funcionar a contento, mesmo que a montagem não ajude em certos momentos. Algumas cenas, mesmo funcionando bem e arrancando risos "discatitados" da plateia, parecem descoladas da trama principal. Repare, por exemplo, nas críticas feitas às religiões católica e protestante. Deslocadas dentro do contexto do filme, parecem mais curtas-metragens dentro de um longa, do que propriamente uma sequência narrativa. O desfecho da trama, não obstante ser bem realizado, é prejudicado por uma elipse temporal que salta para o futuro dos personagens, "rebolando" o espectador lá na frente sem se dar ao trabalho de dizer, ou fornecer pistas, de como eles chegaram até ali. 
Mas esses pequenos entraves técnicos, no entanto, não conseguem abalar a experiência de se assistir a um filme autêntico, funcionando como uma reflexão sobre o próprio cinema brasileiro, de grandes aspirações, dificuldades "medonhas", sobretudo, para aqueles que não têm acesso à cultura e ao lazer. Interiorizar o cinema auxilia a acessibilidade destes direitos fundamentais de todo cidadão. Se tivéssemos mais Francisgleydisson's e Halder's em prol do Cinema, a cena local - em termos de produção e exibição de filmes - seria outra: mais "joiada", mais "gaiata" e com a rubrica do povão assinando embaixo. 

Tradução de alguns termos cearensês usados na resenha:
- Cearensês = linguajar próprio do povo cearense;
- Mermo = mesmo;
- Gaiatice = brincadeira; querer ser engraçado;
- Abirobado = alucinado; fanático;
- Caba = cara no sentido de rapaz; homem;
- Peleja = insistência; persistência;
- Arretada = excelente; massa;
- Ingnorante = ignorante;
- Man ou Mah = homem; cara;
- Marmotoso = pessoa que faz palhaçada; faz graça; 
- Discatitados = histriônicos; exagerados;
- Rebolando = Arremessando; jogando;
- Medonhas = grandes; imensas;
- Joiada = legal.


Comentários
2 Comentários

2 comments:

  1. O filme é "porreta, quer dizer, ótimo!!!
    Vale a pena assistir mais de uma vez, você vai rir muito!!
    Ele me fez lembrar o auto da compadecida e lisbela o prisioneiro!!
    Então, vai a dica para o fim de semana. Aproveitem enquanto ele está em cartaz!!

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