sábado, 15 de junho de 2013

EM CARTAZ - Faroeste Caboclo

René Sampaio, diretor estreante, foge das "armadilhas" de uma adaptação ao entregar um filme maduro, eficiente e esteticamente envolvente.
Rafael Morais
15 de junho de 2013.

Objetivo: adaptar uma música aclamada pela crítica e adorada pelo público. Esta era a tônica da produção de Faroeste Caboclo, que teve no roteiro escrito a duas mãos - Victor Atherino e Marcos Bernstein - uma inspiração na canção homônima, sempre respeitando o seu espírito, para criar algo novo e mais "pé no chão". Mas, por favor, fãs de Renato Russo e sua Legião Urbana, não me entendam mal. Não estou dizendo que o filme é melhor do que a música, apenas que "conserta" ou adapta alguns trechos antes incompreendidos e sem motivação para acontecer. 

Com isso, já dá pra perceber que a direção do estreante em longa-metragem, René Sampaio, acertou na veia ao conceber uma projeção bem montada, fotografada com cuidado e, especialmente, que remonta um arco dramático convincente e organicamente construído. Repare, por exemplo, logo nas primeiras sequências, onde João de Santo Cristo, ainda criança, joga uma lata no cacimbão no intuito de conseguir alguma gota d'água para aliviar a seca daquele sertão infernal. Os raccords (passagem de tempo), utilizados ao longo da película, são esteticamente poéticos, ao passo que funcionam sobremaneira às cenas. Ao puxar de volta o balde - vazio como foi - com a câmera posicionada dentro do objeto, avistamos o personagem já na adolescência, ou seja, o tempo passou e nada foi resolvido. A inércia dos políticos, a ausência de políticas públicas e o jogo de interesses que rodeiam esse fenômeno climático/social/humano continua existindo sem a solução da problemática.

Outro excelente emprego do raccord pode ser vislumbrado no momento em que João sai de uma instituição de recuperação para adolescentes, quando pensávamos que ele estava era ingressando. O novel cineasta parece entender, como poucos, que a administração do fator tempo no cinema, assim como na vida, é precioso e deve ser utilizado para avançar na história. Não menos importante é o uso do vazio e silêncio entre as palavras, deixando o elenco, inspiradíssimo, por sinal, atuar mais com expressões e olhares. Assim, felizmente, a "verborragia" não tem espaço no filme de Sampaio.

Voltando à trama do filme, Fabrício Boliveira surge com muita força em cena como João de Santo Cristo, um sujeito que se muda para Brasília à procura de uma nova vida. Lá, encontra seu primo Pablo (César Troncoso), um traficante que logo lhe oferece um espaço em seu negócio. Ao lado do parente, ele começa a se envolver na venda de drogas na ala sul da Capital Federal, incomodando um bandido local chamado Jeremias (Felipe Abib). Sem falar no envolvimento do policial corrupto vivido por Antonio Calloni. No meio de tudo isso, João conhece Maria Lúcia (Ísis Valverde), com quem começa a viver um grande amor. 

Créditos também à competente direção de arte que insere o espectador naquela Brasília efervescente pronta para explodir com ingredientes revolucionários e contraditórios. Observe que o cenário musical daquela época foi fielmente retratado, servindo como homenagem ao "movimento" Rock Brasília. Inclusive, confesso que me emocionei na sequência metalinguística em que os principais personagens da trama: João, Jeremias e Maria Lúcia estão curtindo um show da Legião Urbana e o seu rock inquieto, demonstrando, não só a inspiração do roteiro como também o compartilhamento de seus conflitos. Criador e criaturas dividem o mesmo cenário e contexto histórico. SENSACIONAL!!

Todavia, nem só de elogios vive um cineasta estreante. O que realmente deixou a desejar, mas não chegou a comprometer o resultado final, foi a trilha sonora original pouco inspirada (excetuando as músicas originais, escolhidas pinçadamente em algumas cenas) que não acompanha a dramaticidade emergencial dos fatos narrados, muito menos o romance ou momentos de suspense representados. Além disso, o filme sofre de problemas no seu ritmo, muitas vezes desregulado, percebido, principalmente, no primeiro e segundo ato.

Enfim, no "saltitar da pipoca" e no "prensar da rapadura", Faroeste Caboclo é um grande filme. Bem realizado e burilado por talentosos profissionais, a produção conseguiu fazer o que muitos não acreditavam: adaptar o "inadaptável".


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