quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Nos Cinemas - CORINGA: DELÍRIO A DOIS


Por Rafael Morais

Qual a razão de existir de uma sequência? Dá pra se extrair mais daquela história? O plot é inteligente e sagaz o bastante para justificar uma reentrada? Ou simplesmente a ideia é espremer até a última gota a atuação de um inspirado ator? Esse ‘Coringa 2’ está mais preocupado com a última provocação, infelizmente. Expectativas foram criadas após o sucesso do filme anterior (inclusive rendendo premiações), mas, é uma pena que essa continuação não apresenta um propósito narrativo para prosseguir contando a história de Arthur Fleck.     

O problema é que o roteiro traz momentos previsíveis do que ocorreu com o palhaço após sua prisão. Maus tratos, tortura e as mais diversas situações complicadas que seria “normal” um prisioneiro passar em Gotham City, ou melhor, no presídio Arkham.

E sim, aqui reside outra problemática desse projeto que eu já havia identificado desde o antecessor: não havia a menor necessidade desse filme se chamar ‘Coringa’ e se passar no universo da DC. Funcionaria até melhor se fosse a mesma história dramática, violenta e recheada de suspense de um comediante fracassado e doente, que vai tomando ódio por uma sociedade que o oprime cada vez mais, do que atrelar isso ao vilão clássico do Batman.

Assim, a sequência apela para a violência gráfica no afã de chocar o público gratuitamente, como se dissesse: “olhem, é o mesmo Joker de 2019 que vocês amaram!”. Aqui, para justificar a transição para o gênero musical, os momentos de insanidade se transmutam em números musicais insossos e deslocados.

As canções me tiraram muito do clímax em momentos imprescindíveis capazes de nos conectar com os protagonistas. Bem na “hora H” entrava uma música cantada pelo nosso vilão (que querem à fina força transformar em herói ou anti-herói), ou pelo seu interesse amoroso. Bem no ponto-chave do diálogo, o script enfiava um número musical. “No god, please nooo!!”. E lá para as tantas, no terceiro ato, o próprio Coringa fala pra Arlequina, quase como se falasse pelo público: “não, não canta mais! Não quero mais cantar nem ouvir você cantar!”. Constrangedor!

Joaquin Phoenix acerta de novo e entrega o que se espera dele na pele, e sobretudo no osso, de Arthur Fleck. O ator oscarizado mantém seu nível de atuação imersiva. Contudo, o seu personagem é vítima de um roteiro perdido que parece não saber como avançar sua história de maneira minimamente relevante.

Já a aparição de Harley Quinn, vivida por Lady Gaga, é promissora (lembro que nos trailers eu achei impactante), mas no resultado final carece de química com o seu “pudinzinho”. Afinal, treino é treino e jogo é jogo. Por sinal, fico me perguntando: será que a escolha da cantora pro cast foi determinante para a drástica mudança no gênero do filme, já que sendo um musical ela poderia agregar muito mais?! Acabou que nem fez tanta diferença assim.

Por seu turno, a direção de Todd Phillips até se esforça para, tecnicamente e visualmente, entregar algo estilizado e grandioso. No entanto, o tédio toma conta e o arrastado da narrativa somado às músicas interrompe o ritmo do filme. É uma quebra de expectativa e de fluxo, do ponto de vista negativo, que eu realmente não esperava.

A confusão é tamanha no tom que é notório quando se coloca em perspectiva a reflexão sobre a marginalização social e os efeitos da falta de empatia da sociedade na obra de 2019; enquanto que nesta continuação o propósito parece perdido entre tentar ser um romance disfuncional, um musical bizarro ou um suspense psicológico. O resultado é um filme que se perde em seu próprio delírio a três, colocando Todd Phillips como o principal responsável (afinal ele tinha carta branca) pela mudança brusca de um filme para o outro. Palhaçada! HaHaHa

*Avaliação: 1,5 Pipocas + 2,5 rapaduras = 4,0.