A vida é mais fácil para
quem não tem nada a perder.
A França, por ser um país
cosmopolita, abraça todas as etnias e culturas, e isso é bem retratado em seus
filmes e literaturas. Liberté, Égalité, Fraternité. Em “O Profeta”,
percebemos a importância dessas três máximas, pois, um sujeito sem liberdade, dificilmente será visto
com igualdade, e assim, a tal fraternidade estará a léguas
da sua realidade.
Não foi à toa que o filme
ganhou várias premiações festivais afora, entre eles o Grande Prêmio do júri de Cannes em quase todas as categorias. A obra, para além de um filme de gângster, aborda com seriedade
um tema de grande valia para a sociedade: o sistema prisional. Uma análise
desesperadora acerca do papel sócio-educativo invertido dentro de uma
penitenciária. A ressocialização de um indivíduo torna-se quase impossível,
fazendo com que um mero "ladrão de galinhas" saia lá de dentro um
experiente e influente criminoso.
O espectador mais atento
perceberá que o filme se ambienta em uma França pós-euro, onde essa moeda passa
a vigorar em substituição de todas as outras, como o Franco, por exemplo.
Repare que as relações multiétnicas, e as constantes confluências de culturas
dentro da prisão, representam fielmente essa situação cambial-econômica
que o país e o continente se encontravam.
O longa acompanha a
trajetória do francês de origem árabe Malik El Djebena (Tahar Rahim),
de 19 anos, que acaba preso após uma suposta agressão a um policial. O roteiro,
propositalmente, não explica e nem deixa claro se o prisioneiro realmente
cometeu o ilícito. Apenas sabemos que a sua pena será de seis anos. Com isso,
durante as duas horas e meia de projeção, percebemos, aos poucos, que essas são
pseudoquestões, já que o que aconteceu no passado do jovem delinquente não
importa para o longa. O que vale mesmo é saber como Malik irá superar
os desafios de conviver com diferentes culturas e bandidos de toda
espécie.
Aproveitando-se do
novato Malik, os ítalo-franceses, que dominam a penitenciária, liderados
pelo implacável veterano César Luciani (Arestrup), obrigam-no a matar
um outro encarcerado, alterando definitivamente sua estada naquele purgatório.
Escolher o inexpressivo Malik para cometer tal crime não foi tarefa
das mais difíceis, uma vez que o novel prisioneiro não tinha
influência no "mundo do crime"; a sua figura não impunha a
respeitabilidade necessária para a sua vital sobrevivência ali dentro. A
ausência de amigos, e também de inimigos, não significa algo louvável, pelo
contrário, o morno não tem vez dentro do sistema.
Mas esse cenário logo
mudaria. Malik aprendeu rápido que precisava de aliados e aos poucos
passou a ganhar mais confiança graças à sua humildade e subserviência. Com a
aliança formada junto aos mafiosos italianos, o jovem francês fechou as portas
para o segundo grupo de dominantes: os muçulmanos franceses. Temos
aí, portanto, um arco dramático completo para apresentar a ascensão do
"faz tudo", aquele que contra tudo e todos respeita a hierarquia,
sem, no entanto, deixar de buscar a sua independência, ameaçando provar aos
chefões que pode mais.
Ao abordar temas como o sistema penitenciário - como um entrave universal - sob
uma visão holística, o longa acrescenta tons e preocupações sociais relevantes.
Já como obra cinematográfica, a produção prende a nossa atenção, igualmente, nas
cenas de ação - homicídios encomendados, tocaias, tiroteios, violência dentro e
fora das "jaulas" - que são realizadas, na maioria das vezes, com a
câmera na mão, tremulante e perspicaz, representando fielmente o nervosismo
inerente à ação do personagem.
Algumas cenas dentro da prisão lembram Carandiru (2003, Hector Babenco), devido à visceralidade do homem como animal agrupador inserido em uma situação-limite. Nesse contexto, a semelhança entre o homem (ser humano) e um animal irracional acuado são impressionantes.
Outra comparação inevitável é com o clássico “O Poderoso Chefão”. O diretor Jacques Audiard bebeu da fonte de Coppola ao empregar a hierarquia do mafioso César sobre os demais. Repare que quando o líder entra em cena, temos a impressão de que ele não faz parte daquele meio, parece não estar aprisionado, onde as regras e as leis não o afetam. Permanecer acima do bem e do mal é o seu mister.
As cenas finais propõem uma profundidade de campo em um plano aberto, onde as
relações de respeito e hierarquia lembram as questões de família vs. negócio
do referido clássico. Uma obra simplesmente imperdível!
Avaliação: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 10.