quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Nos Cinemas - BATEM À PORTA


Por Rafael Morais

"Batem à porta" conta a história de uma família que é feita de refém por quatro estranhos armados. Uma criança e seus pais precisam fazer uma escolha impensável, que consiste no sacrifício de um deles, para evitar o apocalipse, enquanto estão com acesso limitado ao mundo exterior. 

O autoral cineasta M. Night Shyamalan adapta o livro "The Cabin at The End of The World", de Paul Tremblay, imprimindo sua assinatura do início ao fim. A construção do suspense é o que o filme tem de melhor. A atmosfera opressora em que os personagens estão mergulhados é auxiliada pela excelente montagem que não deixa a tensão cair em momento algum.

Não menos intensa e enervante, a trilha sonora de Herdís Stefánsdóttir se aproveita dos sons ambientes, como as batidas na porta, as pancadas e o arrastado das armas brancas pesadas no chão, para compor uma melodia diegética, sempre voltada aos acordes graves, capaz de nos deixar na ponta da cadeira.

Assim como um comediante, que sabe o timing ideal da piada para ela funcionar, um cineasta do calibre de Shyamalan domina o tempo de esticar o clima claustrofóbico até o seu encerramento. A acurada decupagem, somada aos movimentos de câmera bem orquestrados, auxilia à misancene e reforça a angústia de sabermos o que raios vai acontecer em seguida. E apesar da duração média do filme, não há pressa ou atropelo no desenrolar. Também não temos espaço para “barrigadas”. O plot é seco como uma pancada na boca do estômago.

Para tanto, aquele artifício de utilizar vídeos "reais" da televisão, advindos de um telejornal, como aconteceu em "Sinais", é repisado aqui e funciona por ser uma ponte com os acontecimentos lá fora, ou não. Isso traz verossimilhança ao absurdo. Porém, a depender do nível de paranoia, o que vimos pela TV pode ou não representar a realidade. Afinal, a plateia está inserida no mesmo dilema dos protagonistas: esse grupo invasor é formado por cultistas fundamentalistas ou profetas de verdade?! Pena que essa ambiguidade se esvai até fácil se você for mais atento aos detalhes.

É como se o diretor, a partir de agora, não tivesse mais ligando para sua marca registrada. Ser refém da grande reviravolta não é o bastante. Tirado esse peso a menos dos ombros de Shyamalan, que parece valorizar a própria direção em si, temos uma obra honesta e despida dessa necessidade do gran finale. É certo que o roteiro também é assinado pelo diretor - e ele até entrega algo do tipo no desfecho - talvez por ser uma obra encomendada e por imposição do estúdio, mas o faz com certo desdém. Proposital ou não, o resultado me satisfez enquanto Cinema, imageticamente falando.

Lamentável que esse roteiro mastiga o terceiro ato (o mais divisivo) e segura na mão do espectador para conduzi-lo às explicações exaustivas, quase didáticas.

Destaque para as atuações da pequena notável Kristen Cui na pele de Wen, sobretudo quando troca diálogos tensos, na floresta, com o "bom gigante" Leonard (Dave Bautista de óculos é outro patamar de performance rsrsrs). Interessante perceber o contraponto na diferença abissal dos tamanhos da criança e do homem. Os closes nas trocas de olhares doces, entre duas figuras tão antagônicas, são desconcertantes. O efeito vertigo - criado por Hitchcock (“Um Corpo que Cai”) e replicado por Spielberg ("Tubarão") - é repetido neste longa para trazer uma estranheza, medo e premonição frente ao “perigo” que sopra entre as árvores. Os mestres ensinam, os bons alunos copiam com perfeição.

Trazendo novos ares ao gênero “terror de cabana”, “Batem à Porta” aborda a temática de crenças elevando a metáfora à enésima potência. Contudo, se por um lado o diretor indiano brilha na direção de um suspense crescente. Por outro, o script derrapa no didatismo subestimando a inteligência de seu público.

*Avaliação: 3,5 Pipocas + 4,0 Rapaduras = 7,5.